“Cora e Alice são filhas do
comandante do Forte William Henry, escoltadas numa expedição pelos territórios
inimigos até reencontrarem o pai. Esta é a parte ficcional do romance
"O Último Moicano", de James Fenimore Cooper. As desventuras das duas
raparigas e da sua escolta - traída pelo índio Magua, Raposa Matreira, chefe
dos Hurões, que tenta assim vingar-se do pai das jovens, a expedição é salva
pelo batedor Olhos-de-Águia e os seus amigos índios, entre eles, Uncas, o último
dos Moicanos, filho de Chingachgook.”
O que tem esta história a ver,
com o que se está a passar neste momento com a Grécia vs credores europeus e internacionais?
Aparentemente nada. Porém, lá nas “profundezas”, parece existir um certo
paralelismo, senão vejamos: Em primeiro lugar, há que admitir que o FMI por um
lado e a Comissão Europeia e o BCE por outro lado são tribos que se opõem
mutuamente, quanto ao tratamento e resolução do conflito grego, melhor se
diria, do eminente incumprimento da Grécia.
Tal como no livro de Cooper, os
leitores e eleitores (senão mesmo contribuintes europeus) ficaram tocados pela
dualidade das versões apresentadas quanto à Grécia: a visão romântica do
destino cruel dos gregos e a justificação histórica baseada na ocupação
da Grécia pelo Eixo (Alemanha/Itália), durante a Segunda Guerra
Mundial.
É certo que o nosso Presidente da
República (Aníbal Cavaco Silva), a propósito da Grécia, disse que a Grécia
"não pode fazer aquilo que muito bem entende, porque ao fazê-lo vai
prejudicar os outros". Adiantou até que a Europa não pode ceder a
“chantagens”.
Ora estes comentários vindo de um
Chefe de Estado que deixou que se humilhasse o seu país em visita oficial à
República Checa (o então Presidente da República Checa, Vaklav Klaus disse na
cara de Cavaco Silva que ficou "muito
surpreendido por Portugal não parecer muito preocupado por ter um défice de
oito por cento"), que nunca reagiu aos
comentários dolosos quer dos Finlandeses, quer dos Holandeses, Alemães ou
outros, sobre Portugal e os portugueses, que sempre serviu de capacho ou “bom
aluno” aos interesses dos credores da economia de casino, arroga-se agora no
direito de pretender humilhar o povo grego e o seu governo que, por muito
criticável que seja, está no seu direito de dizer basta às arrogâncias dos
credores internacionais e europeus.
Na União Europeia não vigora o
princípio da solidariedade. Vigora o princípio do tratamento diferenciado.
A Espanha teve tratamento
diferenciado de Portugal. A Irlanda, recebeu um resgate diferente do nosso. A
Itália (tal como a Espanha ou a França), embora incumprindo em várias questões
da zona euro, não admitiram ou aceitaram que fosse elaborado um programa de
resgate tal como foi configurado para a Grécia, Portugal, Irlanda ou Chipre. E
porquê? Por que estes, “são os outros”, os que fazem a diferença. São tão
solidários como os países da Europa do Norte.
Não querem que se lhes entre em
casa e muito menos que se diga o que têm a fazer.
Em Outubro de 2014, Manuel Valls
(França) e Matteo Renzi (Itália) pedem mais tempo para reduzirem o défice,
garantindo, em troca, fazer as reformas necessárias para que os seus países se
tornem mais competitivos. Naquela altura pensava-se que se estava perante um
verdadeiro desafio para um consenso sobre a austeridade na Europa, que poderia
conduzir a resultados positivos. Treta!
Nem um ano volvido, quer a França
quer a Itália, mantêm-se em deficit excessivo e não houve nem há qualquer
“recomendação” tão drástica como aquela que se faz quase diariamente para a
Grécia.
Pelo contrário, já em Novembro de
2104, a Comissão Europeia informava que não sancionaria a França, Itália e
Espanha por não cumprirem as metas do deficit, na sua análise sobre os
orçamentos nacionais de 16 países da zona do euro.
Além desta decisão, adotada pela
Comissão, Bruxelas também decidiu não fazer recomendações específicas para cada
um dos sete países que na altura corriam o risco de não cumprirem as metas, o
que veio a acontecer.
Por outro lado, a Comissão
recebeu os projetos de lei de orçamento nacionais em meados de outubro de 2014,
com vista a propor alterações nos projetos de lei fiscal caso considerasse que
não estavam de acordo com suas metas de deficit público (3% do PIB) e dívida
(60% do PIB).
Porém, é curioso verificar, que Madrid
conseguiu um adiamento até 2016 para que seu deficit cumpra os critérios
europeus, embora as últimas previsões da Comissão Europeia, a Espanha terá um deficit
de 4,6% em 2015 e de 3,9% em 2016.
Por outro lado a França e Itália
são os casos que mais chamam a atenção. Paris e Roma foram no final de 2014 de
novo à Comissão, para que ela lhes reenviasse o orçamento. Com esta “démarche”,
Paris obteve, pela segunda vez, um prazo de dois anos, até 2015, para
equilibrar seus gastos com os critérios comunitários. Mas o governo francês
prevê um deficit de 4,3% para 2015 e um retorno à meta de 3% só em 2017.
E a Itália, embora cumpra a meta
do deficit, não cumpre o critério da dívida pública, superior a 130% do PIB
para este e para os dois próximos anos. No entanto, a Comissão decidiu colocar
panos quentes sobre o tema adiando sua decisão sobre o incumprimento para 2015.
Entre os outros países "em risco de incumprimento"
continuam a estar Portugal, Bélgica, Malta e Áustria.
Só a Alemanha, Irlanda,
Luxemburgo, Holanda e Eslováquia têm leis de orçamentos convergentes com os
critérios da zona do euro, enquanto Estônia, Letônia, Eslovênia e Finlândia
apresentaram projetos de orçamento aceitáveis.
Os orçamentos de Chipre e Grécia
não fazem parte do pacote já que estão sob assistência financeira e sob o
controle constante por parte da UE.
As regras fiscais comunitárias
defendidas por Alemanha mas questionadas por sua rigidez pelos países com maior
desemprego que necessitam crescer não têm a aprovação unânime das organizações
internacionais.
O Fundo Monetário Internacional
(FMI) criticou o rigor com que se aplica o Pacto de Estabilidade e de
Crescimento europeu e, também, a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Económico (OCDE) pediu maior flexibilidade nas regras fiscais
da zona do euro.
Como facilmente nos apercebemos,
é nesta luta sem tréguas e com muita hipocrisia à mistura que se desenvolve o
ataque à Grécia e ao povo grego pelos detentores do capital em dívida na
Grécia.
Tal como se passou com os “Moicanos”,
povo nativo que foi arrancado das suas terras pela chegada dos brancos, também
hoje se assiste à luta pela sobrevivência por parte do povo grego, sintetizada
pela complexidade do sistema de denominação escolhida e praticado pelas
instituições europeias e internacionais, que pretendem ver recuperados os seus
créditos à custa do sacrifício e humilhação sem contemplações de todo um povo.
Alexis Tsipras, aparece-nos, assim, como uma espécie de o “Último
Moicano”!...