quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

“AS MORTES DESNECESSÁRIAS”

Sobre o assunto em título e com arrepiante singeleza o Bastonário da Ordem dos Médicos avisa que os últimos casos noticiados «não são os primeiros», nem deverão ser os últimos.
Vem isto a propósito, como sabem, dos dois casos recentes de doentes que acabaram por falecer após aguardarem várias horas por assistência médica nas urgências de dois hospitais e que o Bastonário da Ordem dos Médicos afirma que são consequência das medidas de austeridade impostas pelo Governo.

Segundo o Bastonário, o Ministério da Saúde deve assumir a responsabilidade por estas “mortes desnecessárias”, relacionadas com o facto de “os doentes não serem atendidos no tempo devido em consequência das medidas de cortes cegos, de asfixia financeira dos hospitais, da ausência de autonomia dos hospitais”.

Ora, é justamente neste ponto que entendo que se deverá confrontar o ministro da Saúde, naquilo a que vulgarmente se chama de “responsabilidade política”.

Não é aceitável que a impunidade dos atuais governantes, vá ao ponto de por ação ou omissão, se criarem “mortes desnecessárias”. Estes comportamentos são verdadeiros atentados ao valor da vida humana e significa uma desproteção inadmissível do bem jurídico mais valioso, consignado na Constituição da República Portuguesa.

O ordenamento jurídico, o direito, encara a proteção da vida como uma das suas funções axiais ([1]) . Ilustrativa é a circunstância de, entre nós, a Lei Fundamental indicar como direito fundamental primeiro que “a vida humana é inviolável” (art.º 24.º, n.º 1, da CRP).
Desta forma, a tutela do indivíduo constitui também o núcleo central do bem jurídico protegido pelos crimes contra a humanidade. Também ao nível internacional se tutelam bens jurídicos individuais – a vida humana, a saúde, a liberdade…– em situações de ataque maciço ou sistemático, realizados pelo próprio poder político ou organizações que dominem esse poder.
Ora, as denominadas “mortes desnecessárias”, fruto “… das medidas de cortes cegos, de asfixia financeira dos hospitais, da ausência de autonomia dos hospitais”, têm que ser assumidas como verdadeiros crimes contra humanidade, na medida em que violam também o núcleo central dos bens jurídicos individuais, a vida humana, a saúde, etc., etc..

Deixar morrer doentes nas salas de espera dos hospitais ou nas macas dos bombeiros por falta de intervenção atempada dos serviços de saúde, por negação de meios, asfixia financeira ou cortes cegos e outros, tem o mesmo significado (e objetivo) que deixar morre à fome mais de vinte mil crianças, ou colocar cerca de 28,6% das crianças em risco de pobreza ou cerca de 75,77% de pessoas sem qualquer rendimento ou pensionistas e reformados a receberem € 262,00 ou € 157,20 no caso de pensão de sobrevivência.

Todas estas condutas governamentais, são verdadeiros atentados aos direitos humanos, por violação dos bens jurídicos individuais, como a vida humana, a saúde e os direitos sociais e representam "lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem" (Jorge de Figueiredo Dias).

Agora que se fala com alguma insistência, que o “país está a entrar num terreno perigoso, e pantanoso, em que são a justiça e os juízes a ditar as leis, por incapacidade e incompetência dos políticos” (António Costa, Diretor do Económico) ou, como refere o ex-bastonário da Ordem dos Advogados que alertou para o risco de se entrar numa 'República dos Juízes', será bom recomendar que as autoridades judiciais estejam atentas aos crimes diários que são cometidos pelas autoridades governamentais e que façam uso do seu poder, para por cobro a tais comportamentos.

O povo Português no momento próprio, não deixará de politicamente punir severamente estes governantes atuais. Porém, o mal está feito e se assim continuar será dificilmente reparável.

Por isso, hoje como sempre, é absolutamente intolerável que se aceitem impunemente as “mortes desnecessárias”.

Os seus responsáveis políticos têm de ser obrigados a assumir as suas responsabilidades já que não têm (tiveram) a coragem de o fazer voluntariamente.

Se há alguma coisa “desnecessária”, ela é mesmo (entre outras, naturalmente!...) a incompetência ministerial.








[1] Inês Fernandes Godinho, “PROBLEMAS JURÍDICO-PENAIS EM TORNO DA VIDA HUMANA”

Nenhum comentário:

Postar um comentário