Uma nova tragédia assolou o Serviço Nacional Saúde. A Ministra da Saúde, e bem, assumiu as responsabilidades políticas do cargo e demitiu-se. Dela não se esperava outra coisa. Exemplar no cargo que ocupou, fez o “tirocínio” na pandemia do Covid-19, mostrando a todos que era possível vencer com os meios que estavam à sua disposição. De uma sensibilidade rara envolveu-se na resolução dos problemas criados pelo Covid-19 com determinação e responsabilidade, lutando ao mesmo tempo contra aqueles que queriam aproveitar a oportunidade para esvaziar o SNS. Foi uma luta desonesta, desigual e antipatriótica, pois foram e são muitos aqueles que sonham acabar com o SNS. Pela minha parte, dou um muito obrigado a Marta Temido, pelo seu desempenho à frente do Ministério da Saúde.
Fechado estes parêntesis, existe
uma turbe na classe médica (incluindo o “CEO” dos médicos, na linguagem
corporativa bastonário), passando pela classe dos enfermeiros,
acolitados por jovens jornalistas, avençados do acessório, todos sem exceção,
que olham para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), como uma excrescência do
nosso sistema democrático saído do 25 de Abril de 1974, que, no entender deles,
urge abolir, em favor das leis do mercado. Para estes, a saúde é uma “mercadoria”
e como tal está sujeita às leis da oferta e procura. E neste mercado, o Estado
não deve intervir.
Evidentemente que o SNS existe,
porque existiu Abril, e este não teria existido se não fosse um grupo de jovens
“capitães” que destemidamente, puseram os interesses do povo português à frente
dos seus interesses pessoais. Resultou extraordinariamente bem e a eles devemos
o viver em democracia, ou seja, expressar-nos livremente sobre tudo e um par de
botas, na convicção de que cada um o faz a favor do bem comum. É claro que com
o tempo, verificamos que não é assim. O individualismo ainda se encontra
impregnado no ADN de muitos de nós o que em muitas circunstâncias se sobrepõe aos
interesses mais gerais. Para isso muito contribuem os “pendurados de Abril”.
Estes, os “pendurados de Abril”, quase meio século depois, comportam-se como a
chamada “brigada do reumático”. Disposto à vassalagem, neste caso, de
interesses ocultos, transmitiram aos seus descendentes, o pecado da “coisa
pública” e as virtudes metafisicas da coisa privada. O SNS, que faz parte do
sistema público de saúde, foi criado por um grande humanista de nome António
Arnaut. Democrata sensível às necessidades de saúde do povo português, teve a
ousadia de propor e ver aprovada uma Lei de Bases da Saúde, na qual se inscreveu
a criação do SNS. Nem todos a aprovaram, mas com o tempo a esmagadora maioria
veio a verificar que não tinha razão. Felizmente, até hoje, esta estrutura de
saúde pública manteve-se, com maior ou menor dificuldade, apesar dos ataques
cerrados da “alcateia” que diariamente desfere os seus golpes de morte. E,
contrariamente ao que se pensa, muitos destes “lobos” alimentam-se de restos de alimentos presentes no lixo
democrático. Em algumas circunstâncias, esta espécie, alimenta-se das
suas próprias crias, como se vem notando. Hoje, temos os “irresponsáveis”
(profissionais que assinam declarações de irresponsabilidade, no SNS, claro!), numa
atitude no mínimo inqualificável, face ao tipo de profissão que exercem.
Imaginem um doente, a ser atendido por um “irresponsável”. Creio que é uma
coisa do outro mundo. Hipócrates, deve estar a dar voltas no túmulo!
Os “pendurados de Abril”, criaram
uma descendência de irresponsabilidade, facilitismos e precaridade assustadora,
numa
teia promiscua que durante anos e anos minou o nosso Estado de Direito
Democrático e que deixou sequelas bem vincadas.
Estamos num ponto de pré-ruptura no
SNS, ensaiado entre 2011/2015, com o governo “para além da troika” e as
tentativas de secundarização do SNS em favor das entidades privadas de saúde.
Agora, na era das “startups”, o
“CEO” dos médicos e alguns destes sonham criar as suas plataformas online como Booking
ou Trivago, à volta do SNS, oferecendo soluções médicas sem ir ao hospital
(público), que lhes falta tempo para o presencial
no
privado.
A saída de Marta Temido do Ministério da
Saúde é mais um brecha na já frágil estrutura do SNS.
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