quarta-feira, 5 de maio de 2021

𝐂𝐥á𝐮𝐬𝐮𝐥𝐚𝐬 𝐂𝐨𝐧𝐭𝐫𝐚𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬 𝐆𝐞𝐫𝐚𝐢𝐬 𝐞𝐦 𝐋𝐞𝐭𝐫𝐚𝐬 𝐆𝐨𝐫𝐝𝐚𝐬

 Foi aprovada no Parlamento, na passado quinta-feira (29-04-2021), uma lei, que obriga a aumentar o tamanho das “letras pequenas” nos contratos, impedindo que possam ser inferiores a 2,5 milímetros ou corpo 11, que permitam a correta leitura e compreensão do clausulado.

 Nesse sentido, esta lei, procede ao aditamento de uma nova alínea (i) ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, na redação atual (Regime Jurídico das Clausulas Contratuais Gerais – RJCCG), fazendo incluir nessa longa “lista negra” de “Cláusulas absolutamente proibidas", as respeitantes ao tamanho e espaçamento das letras nos contratos, com a sanção expressa de nulidade da cláusula, invocável nos termos gerais dos artigos 12.º e 24.º do RJCCG, suprarreferido.

Entendeu o legislador de 2021, que o continuado uso de “letras miudinhas” nos contratos de adesão, deveriam merecer uma censura pesada para o predisponente, não só determinando uma proibição absoluta para o seu uso como decretando a sua nulidade em caso de violação. A nulidade desta clausula (de proibição absoluta), não implica a mudança para outro tipo contratual similar, mas apenas a sua supressão.

Enquanto as cláusulas sujeitas a uma proibição relativa permitem ao tribunal a sua apreciação em cada caso concreto, ainda que segundo um modelo objetivo (“o quadro negocial padronizado”), as do artigo 21.º (e não só), do RJCCG são proibidas em termos absolutos, ou seja, em qualquer caso; umas só são proibidas após valoração judicial, as outras são-no imediatamente, desde que constem do vasto elenco de cláusulas absolutamente proibidas.

Por último, esta nova lei prevê, a criação de um "sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas", com o objetivo de controlo e prevenção deste tipo de cláusulas, designadamente, garantindo que as cláusulas consideradas proibidas por decisão judicial não são aplicadas por outras entidades.

Aparentemente, este objetivo de impedir a utilização de cláusulas abusivas ou inibidas, judicialmente, já existe, mas apenas nos casos em que aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na ação inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória. (art.º 32.º, n.º 2, RJCCG).

Também já se determinava que, as cláusulas contratuais gerais objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas. (art.º 32.º, n.º 1, do RJCCG)

A grande novidade que parece existir neste novo regime é de pretender estender a todos e quaisquer contratos celebrados por quaisquer entidades as cláusulas contratuais gerais objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente.

Assim, por exemplo, uma cláusula contratual geral da entidade A objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, não pode ser aplicada no contrato da entidade B.

Esta questão tem um alcance enorme já que até aqui apenas aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na ação inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória. (art.º 32.º, n.º 2, RJCCG).

Este "sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas", que se vai criar, difere do existente, que se encontra inscrito no artigo 34.º e 35.º do RJCCG, sob a epígrafe, que, respetivamente, estabelece:

 Os tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço previsto no artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares”.

O organismo competente para organizar e manter atualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas comunicadas pelos tribunais, bem como para criar as condições que facilitem o conhecimento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial, nos termos do artigo 35.º, do mesmo diploma, regulamentado pela Portaria n.º 1093/95, de 6 de setembro, é a DGPJ, por ter sucedido nas competências do referido Gabinete de Direito Europeu.

Fica-nos a dúvida, no entanto, de como pode um terceiro, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, invocar em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória, registada no "sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas".

Vamos ter de esperar pela regulamentação deste “sistema”, para perceber o seu verdadeiro sentido e alcance, o que apenas acontecerá no prazo de 60 dias, após a sua aprovação.

A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

 

 

 

sexta-feira, 30 de abril de 2021

𝘼 𝘽𝙖𝙘𝙤𝙧𝙞𝙩𝙖 𝙚𝙭𝙩𝙚𝙧𝙢𝙞𝙣𝙖𝙙𝙤𝙧𝙖

O PSD lançou uma candidata à Câmara Municipal da Amadora, que em intervenção televisiva disse, “espero mesmo que o Bloco de Esquerda seja exterminado”.

A Bacorita, sabia bem a palavra que estava a utilizar (“exterminado”) e qual o significado ideológico profundo, da mesma. Esta não é uma palavra do combate político, em democracia pluralista, esta é a afirmação de um tipo de discurso virado para o ódio e para eliminação física dos adversários. Esta é a ameaça que paira sobre a democracia portuguesa, quando partidos da sua génese, criam dentro de si os seus agentes destruidores. Hoje, com algum ascendente do discurso de extrema-direita de cariz protofascista, já com assento na Assembleia da República, assistimos arrepiados, a coberto do direito de liberdade de expressão, a manifestações de ódio, intolerância, preconceitos contra determinados grupos por temas ligados a gênero, religião, etnia, orientação sexual, entre outros.

Manifestações de intolerâncias desta natureza não são protegidas pela liberdade de expressão, já que tal proteção viola os princípios fundamentais da nossa sociedade.

O PSD/Amadora, veio a terreiro defender a Bacorita e acusar o BE de "interpretações desonestas" e diz que com "exterminado" Suzana Garcia se referia a "pesada derrota eleitoral".

Imediatamente me veio à memória a fábula d’ “O burro que vestiu a pele de um leão”, que todos conhecem, mas que não resisto em transcrever:

Um burro encontrou a pele de um leão que um caçador tinha deixado largada na floresta. Na mesma hora o burro vestiu a pele e inventou a brincadeira de se esconder numa moita e pular fora sempre que passasse algum animal. Todos fugiam correndo assim que o burro aparecia. O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele correndo que começou a se sentir o rei Leão em pessoa e não conseguiu segurar um belo zurro de satisfação. Ouvindo aquilo, uma raposa, que ia fugindo com os outros, parou, virou-se e se aproximou do burro rindo:

— Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou sua brincadeira. – Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou sua brincadeira!

𝐌𝐨𝐫𝐚𝐥: 𝐀 𝘽𝙖𝙘𝙤𝙧𝙞𝙩𝙖, 𝐩𝐨𝐝𝐞 𝐞𝐧𝐠𝐚𝐧𝐚𝐫 𝐨𝐬 𝐨𝐮𝐭𝐫𝐨𝐬 𝐜𝐨𝐦 𝐨 𝐭𝐫𝐚𝐣𝐞 𝐞 𝐚 𝐚𝐩𝐚𝐫ê𝐧𝐜𝐢𝐚 (𝐚𝐯𝐚𝐧𝐭𝐚𝐣𝐚𝐝𝐚!), 𝐦𝐚𝐬 𝐚𝐬 𝐬𝐮𝐚𝐬 𝐩𝐚𝐥𝐚𝐯𝐫𝐚𝐬 𝐥𝐨𝐠𝐨 𝐢𝐫ã𝐨 𝐦𝐨𝐬𝐭𝐫𝐚𝐫 𝐪𝐮𝐞𝐦 𝐞𝐥𝐚 é 𝐝𝐞 𝐟𝐚𝐭𝐨.

 

 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

𝙊 𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤

 As televisões, todas, deram natural destaque e relevo às agressões que foi vítima um jornalista da tvi, no final de um jogo de futebol entre o Moreirense e o Futebol Club do Porto. Eu também vi e há duas coisas que me impressionaram muito. A Primeira, o chegar sereno e calmo de Pinto da Costa à beira do cameraman, balbuciando não se sabe o quê, o que leva o jornalista a tirar a câmara do tripé, para se poder afastar, dele. A presença do “𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤”, naquela cena, é arrepiante, pois ele não esboça uma ordem ou o quer que seja. A sua presença, por si só, foi o aval para os desmandes do seu esbirro, que dá pelo nome de Pedro Pinho, e que se diz agente de futebol. Quem viu os três filmes “The Godfather”, encontra imagens semelhantes às de Moreira de Cónegos, com o 𝙊 𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤” de mãos imaculados enquanto o seu 𝘾𝙖𝙥𝙤 faz o serviço. É assustador que a "𝙤𝙧𝙜𝙖𝙣𝙞𝙯𝙖çã𝙤” funcione em campo aberto, à vista de todos. Também no jornalismo, a 𝙤𝙧𝙜𝙖𝙣𝙞𝙯𝙖çã𝙤" conta com seu próprio “𝙨𝙞𝙣𝙙𝙞𝙘𝙖𝙩𝙤”. 𝙁𝙤𝙢𝙤𝙨 𝙧𝙤𝙪𝙗𝙖𝙙𝙤𝙨", diz um outro esbirro. A segunda coisa que me impressionou bastante, foi a inação das forças de segurança (GNR). Perante um flagrante delito, em vez de dar uma ordem de detenção imediata quer ao 𝘾𝙖𝙥𝙤 quer ao𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤” as forças de segurança arrastaram os pés deixando que as agressões continuassem, embora o jornalista pedisse insistentemente socorro. Mais uma vez a presença do “𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤” imobilizou as forças da ordem. Este episódio é surrealista. Mas mais surrealista é o branqueamento que se pretende fazer do episódio. No campo desportivo, quer o 𝘾𝙖𝙥𝙤 quer o 𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤 deviam, pura e simplesmente, ser irradiados do futebol. No campo criminal, quer o “𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤quer o 𝘾𝙖𝙥𝙤, deviam ser punidos com exemplaridade, atendendo às funções que exercem, já que as agressões praticadas contra um jornalista no exercício das suas funções ou por causa delas são consideradas crime público, sendo suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade para efeitos penais (art.º 132.º, do C. Penal, na redação de 2018)

A Direção de Informação da TVI, emitiu um comunicado em que diz “repudia[r] veementemente a agressão que o seu repórter de imagem Francisco Ferreira sofreu na segunda-feira à noite, após o jogo entre o Moreirense e o FC Porto, tendo como protagonista o empresário de futebol Pedro Pinho.”  Claro que a Direção de Informação da TVI, omite o essencial, já que o crime perpetrado contra um seu jornalista foi em coautoria, mas como é o “𝙋𝙖𝙙𝙧𝙞𝙣𝙝𝙤, bastou um telefonema deste para o chefe de redação da estação, para que este considerasse sanado o ilícito, quanto àquele.

Por último, mas não menos importante, é o fenómeno da violência no desporto. É impressionante a quantidade de episódios que alguns dirigentes e treinadores do FCP protagonizam, quase semanalmente. O treinador Sérgio Conceição, é um péssimo exemplo para o futebol e há muito que devia ser suspenso das competições desportivas, pelo menos, em Portugal e na Europa. Já foi expulso do campo mais de 18 vezes com cenas de agressões físicas entre colegas. Só na presente temporada, já foi expulso 3 vezes. Este profissional tem a cultura do ódio, do inimigo e não olha a meios para atingir os seus fins. Um individuo destes faz falta ao futebol português?    

sábado, 24 de abril de 2021

𝓒𝓸𝓶 𝓪 𝓹𝓻𝓲𝓶𝓪𝓿𝓮𝓻𝓪 𝓬𝓱𝓮𝓰𝓪 𝓐𝓫𝓻𝓲𝓵!

Em vésperas de mais um aniversário do 25 de abril de 1974, alguns jornais fazem eco de que o cravo murchou, numa simbologia de que a nossa democracia está doente e pouco apelativa. Alguns de nós não deixará de aceitar que, como dizia Melo Antunes, no décimo aniversário da revolução de abril, «O 25 de Abril era a grande oportunidade histórica de transformarmos a realidade portuguesa no sentido de uma sociedade mais justa e mais livre.»

Estes nossos heróis de abril tinham um sonho para Portugal, que não se bastava por devolver a liberdade a cada um de nós, mas igualmente, para se criarem condições para construir uma sociedade mais justa, mais tolerante e mais igualitária. Como declarou o Bispo D. Januário Torgal Ferreira, aquando da comemoração dos quarenta anos do 25 de abril “Só quem se sente incomodado ao ouvir falar em direitos humanos, exercício da democracia, justiça social, na miséria, no desemprego, no desfasamento de classes, na promoção de cada mulher e cada homem, esses julgam que os ideais de Abril já fizeram o seu tempo.”.

Realmente, hoje, em Portugal, existem grupos organizados e inorgânicos que ameaçam explicitamente o exercício da democracia e dos direitos humanos, erigindo as bandeiras do racismo, da xenofobia e da discriminação racial, com a cobertura e financiamento das centrais internacionais do populismo e do protofascismo. Já com assento no parlamento português, estas bactérias infetam diariamente o tecido político e social da nossa democracia e, ainda que timidamente, vão recebendo o apoio de alguns dos partidos da nossa democracia. Nenhum dos intérpretes da democracia nascida em 25 de abril de 74, imaginou que, 47 anos depois, a classe política portuguesa tivesse gerado tantos anticorpos ao sistema democrático, ao ponto de o colocar em causa. A verdade é que, nos últimos 30 anos, o regime democrático foi sendo engolido por uma onda gigante de corrupção, com forte expressão na classe política, que corroeu os alicerces da democracia e minou a confiança dos cidadãos.

Porém, reconheça-se que se deve continuar a preferir a democracia, mesmo a mais imperfeita, à ditadura.

Saudemos, por isso, o 25 de abril de 1974.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

A DESILUSÃO DOS VENCEDORES ANTECIPADOS

Vamos falar de futebol. Perigo? sem dúvida!

Sou adepto assumido do Sport Lisboa e Benfica (Benfica), mas sempre com espaço suficiente para discernir quem é a equipe melhor em cada momento e em cada época. Indiscutivelmente, o Sporting Clube de Portugal (SCP) é, neste momento, a melhor equipe que joga no campeonato nacional e, por isso, sem dúvida, o candidato legitimo, e sem favor, à conquista do campeonato nacional. Só um acidente de percurso, poderá afastar o SCP do título. Futebol é futebol, como dizem os entendidos, o que quer dizer que não sendo uma ciência certa, tudo pode acontecer. Mas, os argumentos dos adversários diretos (Porto e Benfica) são frágeis senão de maus perdedores. Vejamos: para o FCP a carga de jogos que teve e tem, quer nas competições nacionais quer nas competições europeias que é incomensuravelmente maior do que a do SCP, que só competiu nas competições nacionais. Esta justificação vale o que fale uma vez que estamos a falar de profissionais que atuam ao mais alto nível da modalidade. É certo que o tempo de descanso para atletas de alto rendimento é fundamental, mas não se exagere na justificação. O SCP está em primeiro lugar, por mérito próprio. O mesmo se passa com o Benfica. A tese anda à volta dos jogadores que foram afetados pelo Covid-19, ao que se alega, quase meia equipe. Também este argumento é frouxo quando se sabe que o treinador do Benfica tem à sua disposição um “plantel” de mais de 27 (vinte e sete) jogadores. Mais ou menos, quase três equipes, jogadores, sem exceção, de alto nível competitivo (sem falar em termos salariais). Os níveis competitivos em Portugal suportam bem equipes alternativas aquelas que os treinadores ambicionam. A maioria deles são campeões europeus, o que é obra. Quer dizer que, os argumentos do Benfica (embora compreensíveis). Não convencem.  

Sejamos honestos. Qualquer vencedor do campeonato nacional de futebol da primeira divisão, época 2020/2021, diferente do Sporting Clube de Portugal, será um “fenómeno do Entroncamento”, em que muitos ainda apostam.

Eu não!...

sábado, 10 de abril de 2021

𝐎 𝐉𝐈𝐂 (𝐣𝐮𝐢𝐳 𝐝𝐞 𝐢𝐧𝐬𝐭𝐫𝐮çã𝐨 𝐜𝐫𝐢𝐦𝐢𝐧𝐚𝐥), 𝐚 𝐧𝐨𝐯𝐚 𝐜𝐨𝐪𝐮𝐞𝐥𝐮𝐜𝐡𝐞 𝐝𝐨𝐬 «𝐨𝐩𝐢𝐧𝐢𝐨𝐧 𝐦𝐚𝐤𝐞𝐫𝐬» 𝐩𝐨𝐫𝐭𝐮𝐠𝐮𝐞𝐬𝐞𝐬

 Antes que me esqueça, ontem (sexta, 09-04), inexplicavelmente, o vírus do covid-19, desapareceu de Portugal. Pelo menos as televisões, rádios, peritos e não peritos, nada disseram, sobre ele. Varreu-se!

Retomando «o fio à meada», o «juiz das liberdades» (o JIC), foi ontem atropelado por «artistas» e ignorantes de uma forma avassaladora, por causa do seu despacho de pronuncia e não pronuncia dos arguidos do «Processo Marquês», em particular das decisões que recaíram sobre o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

É evidente que o «Processo Marquês” com tantas individualidades proeminentes, desde logo, o ex-primeiro-ministro José Sócrates, teria de suscitar paixões algumas assolapadas pelo sentido da decisão de pronuncia ou não pronuncia.

O julgamento político e moral há muito que estava feito. Faltava o judicial (qualquer que ele fosse). Mas, mal se admitia que tal juízo fosse muito diferente do político ou do moral, mesmo que numa fase meramente facultativa.

Com a ajuda de advogados políticos ou politicamente engajados, os «homos sapiens» da nossa comunicação social, lá foram produzindo alguns disparates e alguns atropelos aos direitos e garantias previstos na constituição para os arguidos, a troco da sua “certeza absoluta” da “culpabilidade” dos arguidos e da “hecatombe” provocada pela decisão contraria do JIC.

Esquecendo estes ou ignorando que o JIC atua como garante das liberdades, sobretudo na fase de inquérito, durante a qual se tornam mais comuns e, por vezes, mais graves as lesões aos direitos fundamentais das pessoas – principalmente os que se prendem às liberdades – por estar munido de independência e imparcialidade atribuídas pela CRP e pelo seu estatuto, porquanto seja o único sujeito processual capaz de atuar na proteção destes direitos e liberdades (artigos 20º, 1 e 5, e 32º, 4 da CRP).

Isto é semântica, dizem estes justicialistas. Pois, mas não é!

É assim, que está organizado e estruturado o nosso processo penal (de base acusatória), desde a reforma de 1987. com três momentos (fases) distintos: (a) O inquérito, fase rainha da investigação criminal, realizado sob a titularidade e a direção do Ministério Público, destina-se, nos termos do art. 262.º do CPP, à investigação da existência de um crime, à determinação dos seus agentes e sua responsabilidade e à descoberta e recolha de provas, com vista à dedução de acusação. (b) A instrução, sob a direção de um juiz de instrução, intermédia e de caráter facultativo, ou seja, sempre dependente do requerimento do arguido ou do assistente, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. (c) Por último, o julgamento, presidida por um juiz, onde se apura a responsabilidade criminal do arguido.

Porém, os detentores das “certezas absolutas”, são defensores de um outro modelo de processo penal, que surgiu com o advento do Absolutismo, e foi o processo penal mais típico da generalidade dos países europeus continentais nos séculos XVII e XVIII. O modelo de base Inquisitória pura.

Neste modelo, o arguido não era concebido como um sujeito processual, mas sim como um objeto à disposição do juiz. Não eram conferidos direitos nem garantias ao acusado, sendo que, no que concerne aos crimes mais graves, este era, em regra, privado da liberdade.

O único interesse em jogo era o do Estado. O juiz intervinha oficiosamente, sendo o dominus de todo o processo, ao qual competia, simultaneamente e com total liberdade, a investigação e recolha das provas, a acusação e o julgamento. Neste sentido dificilmente poderia “manter a independência necessária a um justo julgamento imparcial da causa

Camuflando-se com a veste da procura da verdade material e da defesa da sociedade e dos interesses do Estado, legitimavam-se inúmeros abusos aos direitos dos cidadãos, que eram comprimidos e restringidos. Contudo, a única verdade que se poderia alcançar era, isso sim, uma verdade formal: “a que resulta do carácter puramente inquisitório, escrito e secreto de todo o processo, origem necessária da perda de um real direito de defesa do arguido (apesar do estrito sistema de «provas legais» com que pretensamente ele seria protegido) e que antes abre caminho a todos os modos, sem exclusão da tortura, de extorquir ao réu a confissão, tida como «regina probationum»”

Dado que a confissão “chegava e sobrava para a condenação”, facilmente se consegue extrair o motivo do empenho do juiz em obtê-la, inclusivamente com o recurso à tortura. 

Caraterizava-se, pois, o modelo inquisitório por ser um processo sem partes. O processo estava na livre e total discricionariedade do julgador, que, numa posição de superioridade total perante o arguido, tinha o poder de iniciar o processo, fixar o thema probandum e o thema decidendum, além da concreta tramitação processual. O arguido nada podia fazer em sua defesa.

Para quem já tenha ouvido falar na “Operação Lava Jato” no Brasil e do então (super) Juiz Sérgio Moro e das práticas judiciárias por si utilizadas na condução e decisão neste processo, encontrará fortes semelhanças com o modelo inquisitório supramencionado.

Também aqui a livre e total discricionariedade do julgador, levou-o à prática de verdadeiros crimes, para obter a condenação dos réus.

Assim, não vale!

P.S.: Ah! Quanto ao Sócrates? Pois, vai a julgamento pronunciado por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos.

sábado, 3 de abril de 2021

𝐀 𝐂𝐎𝐍𝐒𝐓𝐈𝐔𝐈ÇÃ𝐎 “𝐂𝐇𝐈𝐂𝐋𝐄𝐓𝐒”!

É a política que serve o Direito e não o Direito que serve a política”, dizia o presidente da República, após a ratificação do acordo parlamentar, sobre alguns dos apoios sociais. Em causa estão três diplomas: o que alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, o que aumenta os apoios para os pais em teletrabalho e o que estende o âmbito das medidas excecionais para os profissionais de saúde no âmbito da pandemia também à recuperação dos cuidados primários e hospitalares não relacionados com a covid-19.

Vamos então seguir o raciocínio do presidente, para ver no que é que isto dá. A premissa: “A norma-travão”, contida no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Segundo esta norma, é fixado um limite à iniciativa legislativa dos deputados, grupos parlamentares e assembleias legislativas das regiões autónomas, proibindo-lhes a apresentação de projetos-lei, propostas de lei ou propostas de alteração a leis que envolvam um desequilíbrio negativo do Orçamento de Estado (O.E.), através de um aumento das despesas ou diminuição das receitas orçamentadas.

O fundamento da “norma-travão” é garantir o equilíbrio orçamental e garantir que o O.E. possa ser executado pelo Governo durante o ano económico em curso, sem que o Executivo se confronte com um passivo gerado por atos legislativos avulsos oriundos de iniciativas de outras entidades, que direta ou indiretamente aumentem as despesas e reduzam as receitas. Trata-se de uma salvaguarda adicional ao regime de aprovação ou alteração do OE, o qual radica numa reserva originária de iniciativa governamental nesta matéria (alínea g) do artº 161º, da CRP).

Ora, que aconteceu no caso sub Júdice?

O Orçamento do Estado para 2021, foi aprovado e entrou em execução em 01 de janeiro de 2021, através da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro. Não releva para aqui as posteriores retificações a que foi sujeito.

Nele ficou fixado o quadro da receita e da despesa que o Governo se obrigou para o ano em curso. Acontece que, à revelia da vontade do governo se formou uma coligação negativa no parlamento que aprovou o aumento da despesa nos apoios sociais supracitados que veio a merecer a concordância e consequente ratificação do presidente da República.

Foi, portanto, aprovada uma lei que envolve um desequilíbrio negativo do Orçamento de Estado, através de um aumento das despesas orçamentadas.

Numa interpretação literal da norma da constituição, não há dúvida alguma que esta despesa aprovada já na constância do Orçamento do Estado de 2021, viola a “norma-travão” e por isso é inconstitucional. E o presidente, sabe disso. Tanto que ele pediu que “a política” se adaptasse ao “Direito”, ou seja, que o Governo acomodasse esta nova despesa certamente em prejuízo de outras já orçamentadas. A “criatividade” do presidente, na fundamentação da ratificação da lei aprovada no parlamento apenas resiste por se tratar de matéria sensível aprovada por uma maioria improvável, ingredientes mais que suficientes para acentuar o populismo.

Mas a lei é inconstitucional. Ponto. E se o presidente que sabe disso, persistir no enfraquecimento da constituição, alturas haverá em que estarão em jogo valores mais elevados e em que os jogos políticos poderão pôr em risco a verdadeira unidade do sistema democrático.

Se há batalhas onde o presidente não deve participar, esta, de afrontar a constituição, é uma delas.