“É a política que serve o Direito e não o Direito que serve a política”, dizia o presidente da República, após a ratificação do acordo parlamentar, sobre alguns dos apoios sociais. Em causa estão três diplomas: o que alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, o que aumenta os apoios para os pais em teletrabalho e o que estende o âmbito das medidas excecionais para os profissionais de saúde no âmbito da pandemia também à recuperação dos cuidados primários e hospitalares não relacionados com a covid-19.
Vamos então
seguir o raciocínio do presidente, para ver no que é que isto dá. A premissa:
“A norma-travão”, contida no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP). Segundo esta norma, é fixado um limite à iniciativa
legislativa dos deputados, grupos parlamentares e assembleias legislativas das
regiões autónomas, proibindo-lhes a apresentação de projetos-lei, propostas de
lei ou propostas de alteração a leis que envolvam um
desequilíbrio negativo do Orçamento de Estado (O.E.), através de um aumento das
despesas ou diminuição das receitas orçamentadas.
O fundamento
da “norma-travão” é garantir o equilíbrio orçamental e garantir que o O.E.
possa ser executado pelo Governo durante o ano económico em curso, sem que o
Executivo se confronte com um passivo gerado por atos legislativos avulsos
oriundos de iniciativas de outras entidades, que direta ou indiretamente
aumentem as despesas e reduzam as receitas. Trata-se de uma salvaguarda
adicional ao regime de aprovação ou alteração do OE, o qual radica numa reserva
originária de iniciativa governamental nesta matéria (alínea g) do artº 161º,
da CRP).
Ora, que
aconteceu no caso sub Júdice?
O Orçamento
do Estado para 2021, foi aprovado e entrou em execução em 01 de janeiro de
2021, através da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro. Não releva para aqui as
posteriores retificações a que foi sujeito.
Nele ficou
fixado o quadro da receita e da despesa que o Governo se obrigou para o ano em
curso. Acontece que, à revelia da vontade do governo se formou uma coligação
negativa no parlamento que aprovou o aumento da despesa nos apoios sociais
supracitados que veio a merecer a concordância e consequente ratificação do
presidente da República.
Foi,
portanto, aprovada uma lei que envolve um desequilíbrio negativo do
Orçamento de Estado, através de um aumento das despesas orçamentadas.
Numa
interpretação literal da norma da constituição, não há dúvida alguma que esta
despesa aprovada já na constância do Orçamento do Estado de 2021, viola a
“norma-travão” e por isso é inconstitucional. E o presidente, sabe disso. Tanto
que ele pediu que “a política” se adaptasse ao “Direito”, ou seja, que o
Governo acomodasse esta nova despesa certamente em prejuízo de outras já
orçamentadas. A “criatividade” do presidente, na fundamentação da ratificação
da lei aprovada no parlamento apenas resiste por se tratar de matéria sensível aprovada
por uma maioria improvável, ingredientes mais que suficientes para acentuar o
populismo.
Mas a lei é inconstitucional.
Ponto. E se o presidente que sabe disso, persistir no enfraquecimento da
constituição, alturas haverá em que estarão em jogo valores mais elevados e em
que os jogos políticos poderão pôr em risco a verdadeira unidade do sistema
democrático.
Se há batalhas
onde o presidente não deve participar, esta, de afrontar a constituição, é uma
delas.
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