sábado, 3 de abril de 2021

𝐀 𝐂𝐎𝐍𝐒𝐓𝐈𝐔𝐈ÇÃ𝐎 “𝐂𝐇𝐈𝐂𝐋𝐄𝐓𝐒”!

É a política que serve o Direito e não o Direito que serve a política”, dizia o presidente da República, após a ratificação do acordo parlamentar, sobre alguns dos apoios sociais. Em causa estão três diplomas: o que alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, o que aumenta os apoios para os pais em teletrabalho e o que estende o âmbito das medidas excecionais para os profissionais de saúde no âmbito da pandemia também à recuperação dos cuidados primários e hospitalares não relacionados com a covid-19.

Vamos então seguir o raciocínio do presidente, para ver no que é que isto dá. A premissa: “A norma-travão”, contida no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Segundo esta norma, é fixado um limite à iniciativa legislativa dos deputados, grupos parlamentares e assembleias legislativas das regiões autónomas, proibindo-lhes a apresentação de projetos-lei, propostas de lei ou propostas de alteração a leis que envolvam um desequilíbrio negativo do Orçamento de Estado (O.E.), através de um aumento das despesas ou diminuição das receitas orçamentadas.

O fundamento da “norma-travão” é garantir o equilíbrio orçamental e garantir que o O.E. possa ser executado pelo Governo durante o ano económico em curso, sem que o Executivo se confronte com um passivo gerado por atos legislativos avulsos oriundos de iniciativas de outras entidades, que direta ou indiretamente aumentem as despesas e reduzam as receitas. Trata-se de uma salvaguarda adicional ao regime de aprovação ou alteração do OE, o qual radica numa reserva originária de iniciativa governamental nesta matéria (alínea g) do artº 161º, da CRP).

Ora, que aconteceu no caso sub Júdice?

O Orçamento do Estado para 2021, foi aprovado e entrou em execução em 01 de janeiro de 2021, através da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro. Não releva para aqui as posteriores retificações a que foi sujeito.

Nele ficou fixado o quadro da receita e da despesa que o Governo se obrigou para o ano em curso. Acontece que, à revelia da vontade do governo se formou uma coligação negativa no parlamento que aprovou o aumento da despesa nos apoios sociais supracitados que veio a merecer a concordância e consequente ratificação do presidente da República.

Foi, portanto, aprovada uma lei que envolve um desequilíbrio negativo do Orçamento de Estado, através de um aumento das despesas orçamentadas.

Numa interpretação literal da norma da constituição, não há dúvida alguma que esta despesa aprovada já na constância do Orçamento do Estado de 2021, viola a “norma-travão” e por isso é inconstitucional. E o presidente, sabe disso. Tanto que ele pediu que “a política” se adaptasse ao “Direito”, ou seja, que o Governo acomodasse esta nova despesa certamente em prejuízo de outras já orçamentadas. A “criatividade” do presidente, na fundamentação da ratificação da lei aprovada no parlamento apenas resiste por se tratar de matéria sensível aprovada por uma maioria improvável, ingredientes mais que suficientes para acentuar o populismo.

Mas a lei é inconstitucional. Ponto. E se o presidente que sabe disso, persistir no enfraquecimento da constituição, alturas haverá em que estarão em jogo valores mais elevados e em que os jogos políticos poderão pôr em risco a verdadeira unidade do sistema democrático.

Se há batalhas onde o presidente não deve participar, esta, de afrontar a constituição, é uma delas.

 

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