Antes que me esqueça, ontem (sexta, 09-04), inexplicavelmente, o vírus do covid-19, desapareceu de Portugal. Pelo menos as televisões, rádios, peritos e não peritos, nada disseram, sobre ele. Varreu-se!
Retomando «o fio à meada», o «juiz das liberdades» (o JIC), foi ontem atropelado por «artistas» e ignorantes de uma forma avassaladora, por causa do seu despacho de pronuncia e não pronuncia dos arguidos do «Processo Marquês», em particular das decisões que recaíram sobre o ex-primeiro-ministro José Sócrates.
É evidente que o «Processo Marquês” com tantas individualidades proeminentes, desde logo, o ex-primeiro-ministro José Sócrates, teria de suscitar paixões algumas assolapadas pelo sentido da decisão de pronuncia ou não pronuncia.
O julgamento político e moral há muito que estava feito. Faltava o judicial (qualquer que ele fosse). Mas, mal se admitia que tal juízo fosse muito diferente do político ou do moral, mesmo que numa fase meramente facultativa.
Com a ajuda de advogados políticos ou politicamente engajados, os «homos sapiens» da nossa comunicação social, lá foram produzindo alguns disparates e alguns atropelos aos direitos e garantias previstos na constituição para os arguidos, a troco da sua “certeza absoluta” da “culpabilidade” dos arguidos e da “hecatombe” provocada pela decisão contraria do JIC.
Esquecendo estes ou ignorando que o JIC atua como garante das liberdades, sobretudo na fase de inquérito, durante a qual se tornam mais comuns e, por vezes, mais graves as lesões aos direitos fundamentais das pessoas – principalmente os que se prendem às liberdades – por estar munido de independência e imparcialidade atribuídas pela CRP e pelo seu estatuto, porquanto seja o único sujeito processual capaz de atuar na proteção destes direitos e liberdades (artigos 20º, 1 e 5, e 32º, 4 da CRP).
Isto é semântica, dizem estes justicialistas. Pois, mas não é!
É assim, que está organizado e estruturado o nosso processo penal (de base acusatória), desde a reforma de 1987. com três momentos (fases) distintos: (a) O inquérito, fase rainha da investigação criminal, realizado sob a titularidade e a direção do Ministério Público, destina-se, nos termos do art. 262.º do CPP, à investigação da existência de um crime, à determinação dos seus agentes e sua responsabilidade e à descoberta e recolha de provas, com vista à dedução de acusação. (b) A instrução, sob a direção de um juiz de instrução, intermédia e de caráter facultativo, ou seja, sempre dependente do requerimento do arguido ou do assistente, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. (c) Por último, o julgamento, presidida por um juiz, onde se apura a responsabilidade criminal do arguido.
Porém, os detentores das “certezas absolutas”, são defensores de um outro modelo de processo penal, que surgiu com o advento do Absolutismo, e foi o processo penal mais típico da generalidade dos países europeus continentais nos séculos XVII e XVIII. O modelo de base Inquisitória pura.
Neste modelo, o arguido não era concebido como um sujeito processual, mas sim como um objeto à disposição do juiz. Não eram conferidos direitos nem garantias ao acusado, sendo que, no que concerne aos crimes mais graves, este era, em regra, privado da liberdade.
O único interesse em jogo era o do Estado. O juiz intervinha oficiosamente, sendo o dominus de todo o processo, ao qual competia, simultaneamente e com total liberdade, a investigação e recolha das provas, a acusação e o julgamento. Neste sentido dificilmente poderia “manter a independência necessária a um justo julgamento imparcial da causa”
Camuflando-se com a veste da procura da verdade material e da defesa da sociedade e dos interesses do Estado, legitimavam-se inúmeros abusos aos direitos dos cidadãos, que eram comprimidos e restringidos. Contudo, a única verdade que se poderia alcançar era, isso sim, uma verdade formal: “a que resulta do carácter puramente inquisitório, escrito e secreto de todo o processo, origem necessária da perda de um real direito de defesa do arguido (apesar do estrito sistema de «provas legais» com que pretensamente ele seria protegido) e que antes abre caminho a todos os modos, sem exclusão da tortura, de extorquir ao réu a confissão, tida como «regina probationum»”
Dado que a confissão “chegava e sobrava para a condenação”, facilmente se consegue extrair o motivo do empenho do juiz em obtê-la, inclusivamente com o recurso à tortura.
Caraterizava-se,
pois, o modelo inquisitório por ser um processo sem partes. O processo estava
na livre e total discricionariedade do julgador, que, numa posição de superioridade
total perante o arguido, tinha o poder de iniciar o processo, fixar o thema probandum
e o thema decidendum, além da concreta tramitação processual. O arguido nada
podia fazer em sua defesa.
Para quem já tenha ouvido falar na “Operação Lava Jato” no Brasil e do então (super) Juiz Sérgio Moro e das práticas judiciárias por si utilizadas na condução e decisão neste processo, encontrará fortes semelhanças com o modelo inquisitório supramencionado.
Também aqui a livre e total discricionariedade do julgador, levou-o à prática de verdadeiros crimes, para obter a condenação dos réus.
Assim, não vale!
P.S.: Ah! Quanto ao Sócrates? Pois, vai a julgamento pronunciado por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos.
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