Foi com estupefação que li que
mais de 100 personalidades, entre as quais Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho,
subscreveram um abaixo-assinado pelo direito dos pais à objeção de consciência
em relação à disciplina de Educação para a Cidadania. Ora, sendo a disciplina
de Educação e de Cidadania, fiquei intrigado quanto aos conteúdos da
Disciplina, e daí fui dar uma vista de olhos, e verifiquei o seguinte.
A Disciplina está dividida em
três grupos. Um primeiro grupo onde constam: (I) Direitos humanos; (II) Igualdade
de Género; (III) Interculturalidade; (IV) Desenvolvimento Sustentável; (V) Educação
Ambiental; (VI) Saúde. Estes domínios do primeiro grupo, são obrigatório para
todos os níveis e ciclos de escolaridade.
Depois temos um segundo grupo, obrigatório
em pelos menos dois ciclos do ensino básico, com os seguintes domínios: (I)
Sexualidade; (II) Media; (III) Instituições e Participação Democrática; (IV)
Literacia Financeira e Educação para o Consumo; e (V) Segurança Rodoviária e o
Risco.
Finalmente, temos um terceiro
grupo, com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade, onde constam:
(I) Empreendedorismo; (II) Mundo do Trabalho, (III) Segurança, (IV) Defesa e
Paz; (V) Bem Estar Animal e (VI) Voluntariado.
Ora, lendo este currículo da Disciplina
“Educação para a Cidadania”, não consigo entender o pedido de “objeção de
consciência”, por parte dos pais. Afinal estes pais e estas personalidades
querem proteger as crianças de quê? Da absorção de conhecimentos que incluem a
prevenção e combate ao discurso de ódio? da prevenção e combate ao tráfico de
seres humanos e direitos da criança? Das questões como a identidade e género, o
desenvolvimento da sexualidade, os direitos sexuais e reprodutivos - prevenção
de relações abusivas e a maternidade e paternidade - parentalidade responsável?
Ou serão as questões do Empreendedorismo, do mundo do Trabalho, da Segurança, da
Defesa e Paz ou do Bem Estar Animal e Voluntariado, que os incomoda?
É evidente que não somos ingénuos
e percebemos que as matérias da sexualidade e igualdade de gênero são o
“busílis” da questão. Como alguém escreveu, “E se estes domínios, que estão
associados à disciplina de Cidadania estivessem distribuídos ou implícitos
noutras disciplinas? (Alguns já estão). Teríamos então o direito enquanto
portugueses de escolher os domínios que os nossos filhos devem ou não abordar
nas aulas?
Comentário oportuno, sem dúvida.
Mas, o que é mais surpreendente é
que em Portugal no passado distante ou recente nunca quaisquer pais ou
personalidades defenderam o direito de “objeção de consciência” quanto a
disciplinas que violavam (aparentemente) os seus credos e/ou convicções. Aliás,
foi travada uma batalha dura e demorada para que Disciplinas que violentavam
direitos constitucionalmente consagrados, passassem a ser opcionais.
Num trabalho publicado pelo CEDIS,
da Universidade Nova de Lisboa, sobre a objeção de consciência, vem dito que “…
o direito de objeção de consciência não pode ser utilizado de forma arbitrária,
pois como vimos este direito pode gerar conflitos de igualdade, não podendo
funcionar como criador de desigualdades injustificadas que permitam a obtenção de
privilégios de isenção de cumprimento de alguns deveres jurídicos. Deverá
também ser feita uma ponderação e um equilíbrio entre o direito do objetor e o
direito da outra parte, devendo ser impostas medidas e deveres alternativos aos
objetores que salvaguardem a imposição legal.”
Ora, o que estas personalidades
pretendem não é o verdadeiro exercício de objeção de consciência, mas sim a
apologia de "uma educação self-service", como escreve Carlos
Alves, do “Observatório Político”. E é preciso saber que "formar
cidadãos é diferente de formatar cidadãos". "Eu,
eventualmente, até nem concordo com a lista de livros da disciplina de
Português, que se esquece de literatura portuguesa contemporânea relevante, que
é brilhante, e insiste na lírica camoniana, mas a educação não pode ser deixada
à mercê do 'bitaite' e da arbitrariedade, isso é que é contraproducente".
"Se vamos questionar o
papel do Estado, então também podemos questionar a sua competência para fazer
menus para as cantinas escolares. Também não tenho o direito de encher as
artérias de gordura, certo?", conclui este autor.
Como diz PEDRO VAZ PATTO (O
Desafio da Liberdade de Consciência, in Voz da Verdade, 2013), “A tutela
alargada da liberdade de consciência é um desafio para sociedades livres,
abertas e pluralistas, cada vez mais multiculturais, que respeitam as minorias
e rejeitam a imposição de um qualquer “pensamento único”. É um sinal de
autenticidade e maturidade de sociedades que se pretendem assentes na liberdade
e dignidade da pessoa humana".
Omitir no currículo escolar matérias
das sociedades atuais é empobrecer a cultura democrática dos nossos jovens e dificultar-lhes
a inserção neste mundo cada vez mais globalizado em que se derrubam diariamente
barreiras e tabus.
Mas o mais curioso, é que estas
personalidades para a fundamentação da sua objeção de consciência em relação à
disciplina de Educação para a Cidadania citam, além da Constituição da
República Portuguesa, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nem de
propósito matérias obrigatórias da disciplina de Educação para a Cidadania.
“Tem Pai que é cego”!