sábado, 9 de dezembro de 2023

 NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA!

Se há melhor exemplo, entre a teoria e a prática, ele é sem dúvida, o exercício presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, o professor de direito constitucional, que nunca soube cumprir a constituição, durante os seus mandatos. Será isto, uma resultante de algum enquistamento democrático? É bem possível que sim!

As duas últimas dissoluções da assembleia da república (04-11-2021 e 07-11-2023), são disso exemplo vivo. Em vez de pôr a democracia a funcionar, em ambos os casos, optou pelo mais fácil e mais caro, com o eufemismo da devolução da palavra ao povo. É que, em ambos os casos, havia maioria absoluta no parlamento. Faltou-lhe a cultura democrática que outros em Portugal, e nas mesmas condições, já tiveram, cumprindo a constituição.

É bom lembrar, que quando os constituintes de 1976 e 1982 (curiosamente onde Marcelo, neste último, se incluía), delinearam o semipresidencialismo português, a sua grande preocupação foi a de favorecer a estabilidade governativa, já que o sistema proporcional então adotado não ajudava à formação de maiorias absolutas, pelo que, todos os partidos que venciam as eleições legislativas deviam ter a possibilidade de formar governo mesmo sem atingir essa fasquia, sem serem forçados a fazer coligações contranatura ou simplesmente não previsíveis pelos eleitores.

 Como refere Jorge Pereira da Silva (vide jornal Expresso, 07-12-2023) “Para viabilizar governos de maioria relativa – impropriamente designados “governos minoritários” –, a Constituição estabeleceu assim que o programa do governo não tem de ser votado na Assembleia da República. Ao contrário do que sucede na vizinha Espanha, não existe entre nós necessidade de uma investidura parlamentar do executivo. É certo que, para o governo entrar em plenitude de funções, o seu programa tem de ser apresentado e debatido no Parlamento, mas só será sujeito a votação se algum partido da oposição propuser formalmente a sua rejeição”.

Acontece que o presidente da república, Marcelo, por duas vezes, não soube interpretar a constituição, uma vez que as principais causas de instabilidade política não foram nem a rejeição do programa do governo, nem a aprovação de moções de censura, nem menos ainda a reprovação de votos de confiança. Foram, isso sim, a demissão do primeiro-ministro e o chumbo do orçamento de Estado.

E o escândalo ainda é maior, nesta última dissolução, pois associou grosseiramente a maioria do PS a António Costa e a saída deste à convocação de novas eleições legislativas. Não satisfeito e em absoluta fraude à constituição, o presidente aceitou a demissão do primeiro-ministro em (07-11-2023) e publicou em nota no sítio oficial da presidência, mas só formalizou a mesma, agora em 08-12-2023. Isto não é terceiro mundo. É a chico espertice em modo académico, nas vestes presidenciais.

Esta forma de fazer política, nada tem a ver com o sistema constitucionalmente democrático e, muito menos, com o Estado de Direto Democrático. São resquícios do exercício de uma direita conservadora autoritária que, na posse de algum poder, transforma tudo em poder absoluto. Marcelo sabe, que as demissões do primeiro-ministro não tinham de redundar sempre em dissolução do Parlamento e em novas eleições – uma vez que nos termos constitucionais, apenas se impunha a nomeação de um novo primeiro-ministro.

Mas a chantagem, o amiguismo, a falta de sentido de Estado, levou sempre Marcelo a escolher a solução que melhor servia os seus interesses políticos em total desrespeito pelas regras da democracia representativa. Perante a incerteza que se adivinha, após 10 de março de 2024, era bom refletir sobre se os caminhos que o sistema de governo português tem seguido ultimamente – ao arrepio do propósito original dos constituintes de 1976 e 1982 – são os que melhor servem o País e os portugueses. Ou se, pelo contrário, pode haver estabilidade política para além da figura do primeiro-ministro e vida para além do orçamento! Quando presidentes, como Marcelo, se arrogam no direito de fazer uma interpretação individualista da constituição, mesmo que ao seu arrepio, é altura de prevenir o futuro …

 

 

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