NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA!
Se há melhor exemplo, entre a
teoria e a prática, ele é sem dúvida, o exercício presidencial de Marcelo
Rebelo de Sousa, o professor de direito constitucional, que nunca soube cumprir
a constituição, durante os seus mandatos. Será isto, uma resultante de algum
enquistamento democrático? É bem possível que sim!
As duas últimas dissoluções da assembleia
da república (04-11-2021 e 07-11-2023), são disso exemplo vivo. Em vez de pôr a
democracia a funcionar, em ambos os casos, optou pelo mais fácil e mais caro,
com o eufemismo da devolução da palavra ao povo. É que, em ambos os casos,
havia maioria absoluta no parlamento. Faltou-lhe a cultura democrática que
outros em Portugal, e nas mesmas condições, já tiveram, cumprindo a
constituição.
É bom lembrar, que quando os
constituintes de 1976 e 1982 (curiosamente onde Marcelo, neste último, se
incluía), delinearam o semipresidencialismo português, a sua grande preocupação
foi a de favorecer a estabilidade governativa, já que o sistema proporcional
então adotado não ajudava à formação de maiorias absolutas, pelo que, todos os
partidos que venciam as eleições legislativas deviam ter a possibilidade de
formar governo mesmo sem atingir essa fasquia, sem serem forçados a fazer
coligações contranatura ou simplesmente não previsíveis pelos eleitores.
Acontece que o presidente da república,
Marcelo, por duas vezes, não soube interpretar a constituição, uma vez que as
principais causas de instabilidade política não foram nem a rejeição do
programa do governo, nem a aprovação de moções de censura, nem menos ainda a
reprovação de votos de confiança. Foram, isso sim, a demissão do
primeiro-ministro e o chumbo do orçamento de Estado.
E o escândalo ainda é maior,
nesta última dissolução, pois associou grosseiramente a maioria do PS a António
Costa e a saída deste à convocação de novas eleições legislativas. Não
satisfeito e em absoluta fraude à constituição, o presidente aceitou a demissão
do primeiro-ministro em (07-11-2023) e publicou em nota no sítio oficial da presidência,
mas só formalizou a mesma, agora em 08-12-2023. Isto não é terceiro mundo. É a
chico espertice em modo académico, nas vestes presidenciais.
Esta forma de fazer política,
nada tem a ver com o sistema constitucionalmente democrático e, muito menos,
com o Estado de Direto Democrático. São resquícios do exercício de uma direita
conservadora autoritária que, na posse de algum poder, transforma tudo em poder
absoluto. Marcelo sabe, que as demissões do primeiro-ministro não tinham de redundar
sempre em dissolução do Parlamento e em novas eleições – uma vez que nos termos
constitucionais, apenas se impunha a nomeação de um novo primeiro-ministro.
Mas a chantagem, o amiguismo, a
falta de sentido de Estado, levou sempre Marcelo a escolher a solução que
melhor servia os seus interesses políticos em total desrespeito pelas regras da
democracia representativa. Perante a incerteza que se adivinha, após 10 de
março de 2024, era bom refletir sobre se os caminhos que o sistema de governo
português tem seguido ultimamente – ao arrepio do propósito original dos
constituintes de 1976 e 1982 – são os que melhor servem o País e os
portugueses. Ou se, pelo contrário, pode haver estabilidade política para além
da figura do primeiro-ministro e vida para além do orçamento! Quando presidentes,
como Marcelo, se arrogam no direito de fazer uma interpretação individualista
da constituição, mesmo que ao seu arrepio, é altura de prevenir o futuro …
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