A CRISE DE ‘MEIA-IDADE’
Estamos a pouco mais de noventa dias da celebração do quinquagésimo aniversário do 25 de Abril de 1974, data invocativa da instauração da democracia em Portugal, protagonizada pelos valorosos Capitães de Abril, cuja memória será para sempre perpetuada. Na data do aniversário da Revolução de Abril, agora em 2024, já se encontrará em funções o novo governo saído das eleições legislativas de 10 de março, deste ano. Se havia coisas em Portugal que eram urgentes e necessárias estas eleições de março não eram seguramente uma delas, já que não são uma prioridade e muito menos uma necessidade. Estas eleições de 10 de março de 2024, são um capricho do Presidente da República, sustentado, como vulgarmente se diz, com “o nosso dinheiro”. Sim, porque estas coisas custam dinheiro. Dinheiro que não temos, para as coisas essenciais, mas inventa-se para o supérfluo. As eleições legislativas de 10 de março são supérfluas. Serão isto sintomas de uma crise de ‘meia-idade’ da nossa democracia? Bem parece que sim. A insegurança das instituições democráticas demonstram que a democracia já não é jovem, mas ainda não atingiu a maturidade suficiente. É penoso o estado da nossa justiça. Por analogia com a expressão criada em 1965 por Elliott Jaques, podemos descrever os atores da nossa justiça, aqui incluindo (sobretudo) o Ministério Público, como indivíduos inseguros, manipuláveis, e de certa forma incapazes de gerir a sua própria autonomia, numa afirmação de incapacidade de se afirmar como um terceiro poder capaz de respeitar e garantia a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e a separação e interdependência de poderes. Frequentemente acusada de judicializar a política e, em certos casos, sendo o interventor político principal, da condução dos atos governativos e noutros obstaculizando a própria governação, numa demonstração de imaturidade democrática de pendor dos tribunais ditos «ad hoc» ou «posfactum», a justiça (em sentido amplo), é hoje, sem dúvida, uma das principais causas do irregular funcionamento das instituições democráticas do nosso país. Igual papel, tem desempenhado o presidente da república (PR). Avesso ao semipresidencialismo, o atual (PR) contou sempre com a colaboração do ex-primeiro ministro, para uma espécie de governação bicéfala. Costa percebeu, que a melhor forma de governar era impedir que o PR se tornasse numa “força de bloqueio”. Para isso, era necessário deixar que o PR se convencesse que estava a ‘governar’. E, foi com este pressuposto, que o PR alimentou o seu ego durante oito anos. Os custos para a democracia, foram enormes. Isto porque, se é verdade que o PR queria ‘governar’, a sua ambição sempre foi governar com os ‘seus’, não com a esquerda e muito menos com a extrema-esquerda. Isto foi-lhe imposto, pelo eleitorado. Resultado, quando teve oportunidade, e teve por duas vezes, não as desperdiçou e dissolveu o parlamento. Nestes dois momentos, o PR mostrou fraqueza democrática e interpretação enviesada da constituição. Nestes dois momentos, para além de outros, menos gritantes, o PR colocou à frente dos interesses do país, os seus próprios interesses partidários. Demonstrou, em momentos decisivos, uma fraca cultura democrática e uma prática constitucional deficiente, no exercício do seu cargo. Caía a capa de um presidente empenhado na democracia e vinha ao de cima as características populistas, intriguistas e do amiguismo serôdio porque sempre foi conhecido. Colocado o país na incerteza do futuro, Marcelo jogou todas as suas fichas na vitória dos ‘seus’, no próximo 10 de março, mesmo que entre eles venham a estar os representantes do passado que ele bem conhece. Numa altura em que se abrem processos-crimes por suspeitas de «lobbing» na governação deixa-se impune o «lobbing» presidencial, este sim, um verdadeiro atentado à democracia representativa.