terça-feira, 16 de janeiro de 2024

A CRISE DE ‘MEIA-IDADE’

Estamos a pouco mais de noventa dias da celebração do quinquagésimo aniversário do 25 de Abril de 1974, data invocativa da instauração da democracia em Portugal, protagonizada pelos valorosos Capitães de Abril, cuja memória será para sempre perpetuada. Na data do aniversário da Revolução de Abril, agora em 2024, já se encontrará em funções o novo governo saído das eleições legislativas de 10 de março, deste ano. Se havia coisas em Portugal que eram urgentes e necessárias estas eleições de março não eram seguramente uma delas, já que não são uma prioridade e muito menos uma necessidade. Estas eleições de 10 de março de 2024, são um capricho do Presidente da República, sustentado, como vulgarmente se diz, com “o nosso dinheiro”. Sim, porque estas coisas custam dinheiro. Dinheiro que não temos, para as coisas essenciais, mas inventa-se para o supérfluo. As eleições legislativas de 10 de março são supérfluas. Serão isto sintomas de uma crise de ‘meia-idade’ da nossa democracia? Bem parece que sim. A insegurança das instituições democráticas demonstram que a democracia já não é jovem, mas ainda não atingiu a maturidade suficiente. É penoso o estado da nossa justiça. Por analogia com a expressão criada em 1965 por Elliott Jaques, podemos descrever os atores da nossa justiça, aqui incluindo (sobretudo) o Ministério Público, como indivíduos inseguros, manipuláveis, e de certa forma incapazes de gerir a sua própria autonomia, numa afirmação de incapacidade de se afirmar como um terceiro poder capaz de respeitar e garantia a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e a separação e interdependência de poderes. Frequentemente acusada de judicializar a política e, em certos casos, sendo o interventor político principal, da condução dos atos governativos e noutros obstaculizando a própria governação, numa demonstração de imaturidade democrática de pendor dos tribunais ditos «ad hoc» ou «posfactum», a justiça (em sentido amplo), é hoje, sem dúvida, uma das principais causas do irregular funcionamento das instituições democráticas do nosso país. Igual papel, tem desempenhado o presidente da república (PR). Avesso ao semipresidencialismo, o atual (PR) contou sempre com a colaboração do ex-primeiro ministro, para uma espécie de governação bicéfala. Costa percebeu, que a melhor forma de governar era impedir que o PR se tornasse numa “força de bloqueio”. Para isso, era necessário deixar que o PR se convencesse que estava a ‘governar’. E, foi com este pressuposto, que o PR alimentou o seu ego durante oito anos. Os custos para a democracia, foram enormes. Isto porque, se é verdade que o PR queria ‘governar’, a sua ambição sempre foi governar com os ‘seus’, não com a esquerda e muito menos com a extrema-esquerda. Isto foi-lhe imposto, pelo eleitorado. Resultado, quando teve oportunidade, e teve por duas vezes, não as desperdiçou e dissolveu o parlamento. Nestes dois momentos, o PR mostrou fraqueza democrática e interpretação enviesada da constituição. Nestes dois momentos, para além de outros, menos gritantes, o PR colocou à frente dos interesses do país, os seus próprios interesses partidários. Demonstrou, em momentos decisivos, uma fraca cultura democrática e uma prática constitucional deficiente, no exercício do seu cargo. Caía a capa de um presidente empenhado na democracia e vinha ao de cima as características populistas, intriguistas e do amiguismo serôdio porque sempre foi conhecido. Colocado o país na incerteza do futuro, Marcelo jogou todas as suas fichas na vitória dos ‘seus’, no próximo 10 de março, mesmo que entre eles venham a estar os representantes do passado que ele bem conhece. Numa altura em que se abrem processos-crimes por suspeitas de «lobbing» na governação deixa-se impune o «lobbing» presidencial, este sim, um verdadeiro atentado à democracia representativa. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

 “PORTUGUESES”, ESTÁ NA ALTURA DE DEIXAR PORTUGAL EM PAZ!

Agora, já em 2024, e depois das mirabolantes manobras efetuadas pelo Presidente da República, que conduziram à aprovação pelo parlamento português do Orçamento do Estado para 2024, está na altura dos “portugueses”, em itálico, deixarem Portugal em paz.

No ano velho, foram cada vez mais os “portugueses” que ocupando cargos públicos de elevada responsabilidade, provocam danos na nossa democracia e no Estado de Direito, alguns deles irreversíveis ou de difícil recuperação. Existe uma “mala pata” destes “portugueses” para com Portugal, nunca deixando que o país cresça e se estabilize, em períodos de tempos geracionais. Estes “portugueses”, punhado de homens e mulheres, quando assumem o poder, não é o bem público e o serviço público que os move. São as suas deficiências, inabilidades, os mexericos e as compensações, que os atraem uns aos outros, e nos lugares que ocupam, põem nu as suas limitações. A dimensão nacional é algo que não está ao seu alcance. Vimo-lo diariamente, na ação política nas suas diversas dimensões. Nenhum destes “portugueses”, nasceu imbuído do espírito de nação e muito menos de uma nação democrática assente no Estado Social de Direito. A liberdade para estes “portugueses” é retorica, daí a facilidade com que reprimem a liberdade dos outros. Não são construtores do futuro. São a amalgama do presente, num parêntesis da nossa história. Vil tristeza a nossa, que de tantos e tão bons portugueses, logo em momento específico da história, escolhemos os piores e os mais ocos. Não admira, por isso, que estes “portugueses” se façam ouvir, em tudo o que é sítio, destilando ódio, desprezo e mal-estar contra o país, certamente, fruto de insuficiências profundas na realização dos seus desejos. Porém, o País, esse é o mesmo. Estes “portugueses” não. São um subproduto das escolas marginais da política. Tudo para eles é rápido e efémero. Há tempo para desfazer, mas não há tempo para construir. Acreditam pouco no que já foi feito e acreditam menos ainda no que está por fazer. Todos são detentores da verdade e da mentira em simultâneo. Em bom rigor, já não são estes os princípios que regem estes “portugueses”. Hoje a relatividade das coisas, são o mote para a ação e omissão. Aliás, a omissão, está a tornar-se a ação dos tempos presentes. Isso e a repetição. Repetem-se uns aos outros sistematicamente, em televisões diferentes (na propriedade?) e iguais na difusão da mensagem. São, à partida, ‘especialistas’ de cada família política. Seria para o contraditório. Mas não há contraditório. São a mesma imagem difusa. Mais bold menos bold a estampa é a mesma. A democracia esbateu as diferenças e todos querem o que o outro quer, mas dito à maneira de cada um. Como escreve Hélder Macedo, no título de um dos seus livros, “Cada Um com o Seu Contrário Num Só Sujeito”. Resumindo, há muitos “portugueses” por aí que desde alguns tempos para cá, não fazem outra coisa que não seja xingar Portugal. Ou por comparação com outros países ou outros povos ou por descrença sistemática por tudo o que temos e fazemos, numa atitude do chamado «bota-abaixo». Estes “portugueses”, cada vez mais numerosos, e já com representação parlamentar, repetem-se nos queixumes, agridem gratuitamente, nada têm para oferecer e minam a confiança de todos aqueles que continuam a acreditar no seu país e lutam para que ele melhor a vida das pessoas.

Como diz alguém, que com vénia aqui reproduzo: “Neste momento ouvir qualquer líder da direita Portuguesa é ouvir uma pessoa agressiva que oferece pouco mais do que ódio.”

É tempo, por isso, de estes “portugueses” deixarem Portugal em paz!...

domingo, 31 de dezembro de 2023

 MONTENEGRO. O CANDIDATO QUE SE MANTÉM POR «INDECÊNCIA E MÁ FIGURA»!

Há duas figuras da direita que quando falam, tem o efeito de ricochete, para as suas hostes. São eles Cavaco Silva e Passos Coelho. É impressionante a oportunidade dos seus comentários e a lesão que provocam aos seus. Será de propósito? Até parece que sim.

Passos Coelho, após a demissão de António Costa, comentou que ela era fruto de «indecência e má figura» do primeiro-ministro. Não se sabe quais são as suspeitas que recaem sobre o primeiro-ministro demissionário, apenas se sabe que invocaram o nome dele na chamada “Operação Influencer”. Para a PGR e para o STJ, chega. Ou seja, a abertura de um inquérito não se baseou em qualquer indício de comportamento ilícito ou ilegal, mas apenas na invocação do nome do primeiro-ministro por terceiros. Para estas autoridades supremas, nos seus campos, quais Ayatollahs do direito, não é preciso mais. Invocou, está invocado. Com este «direito por linhas tortas», o líder da oposição de direita, Luís Montenegro, com a ajuda do Senhor Presidente da República, viu campo aberto para regressar ao poder. Daí que, com a lisura de procedimentos que se lhe conhece…, logo fez publicar uma sharia, através da qual “impede que candidatos a deputados que tenham sido condenados em tribunal ou indiciados por algum crime concorram às listas para as eleições legislativas de 10 de março.” Atitude corajosa, sim senhor! Estava o PSD nesta fase de higienização da vida política portuguesa, quando, surpreendentemente (!!!), o Ministério Público abriu um inquérito relacionado com os benefícios fiscais atribuídos à casa do líder do PSD, Luís Montenegro, em Espinho. Existem indícios de uma alegada utilização indevida da taxa de IVA reduzida na habitação do líder do PSD, situada em Espinho. Qual foi a reação de Montenegro? Demitiu-se? informou que se ia demitir? Não. Pelo contrário, disse que não se sente "minimamente condicionado para desempenhar as funções" e que, enquanto houver um inquérito judicial aberto, esta será a última vez que se irá pronunciar sobre o caso. Rasgou a sharia, poucos dias depois de a ter publicado. E não seguiu os «ensinamentos» do seu ex-líder. Irá manter-se como candidato, sabendo da existência de um inquérito contra ele, por indícios de a prática de um crime. O ex-primeiro-ministro, pediu a demissão pela invocação do seu nome por terceiros. O líder do PSD mantém-se no cargo e é candidato a primeiro-ministro, com indícios da prática de crime. Que diferença! Montenegro, será o candidato indiciado, por efetiva «indecência e má figura»

 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

 MARCELO. ANTES DA CASA DE BRAGANÇA, TERÁ QUE GERIR O ‘BORDEL LARANJA’

O destino bate à porta. Marcelo escolheu e é recompensado, diz-se. Depois de se recusar a cumprir a constituição, Marcelo Rebelo de Sousa, lançou o país à parede e não contente com isso, distraiu a plebe com o caso das gémeas e respetivos figurantes familiares. O país ficou entregue à oposição mais caricata e antidemocrática que há memória. A direita mais reacionária enlameia-se na podridão dos seus valores e preces e arrasta para o seu seio os sem sorte da sociedade. No meio deste caldeirão, a justiça, ancorada na judicialização da política, vive um dos seus momentos mais baixos, também. Portugal, parou. Parou, porque Marcelo assim o quis. A estabilidade política para Marcelo, é equiparada a pasmaceira. Frenético, inseguro e polémico, Marcelo, prefere lançar o país num turbilhão a vê-lo em águas calmas a prosseguir os seus objetivos. Os seus dois mandatos são a prova disso. Poder-se-á dizer que os partidos, quer da geringonça, quer do PS, são a causa primeira da crise política. Sem dúvida. Porém, em nenhum dos momentos da crise, provocada pelos partidos, Marcelo interpretou corretamente a constituição, indo buscar ao partido mais votado a solução para o problema criado. Nas duas situações criadas, 2019/2023, Marcelo viu uma oportunidade para mostrar o seu sectarismo partidário e através dele colocar rampas de lançamento para os seus candidatos laranja. No primeiro caso, numa leitura esdrúxula da constituição, erigiu a Lei Orçamental, e o seu chumbo, como consequência à dissolução do parlamento. O eleitorado mostrou-lhe que essa forma de fazer política não era legitima e penalizou-o com uma maioria absoluta do PS. No segundo caso, o atentado à constituição ainda foi pior. A demissão do primeiro-ministro em Portugal, não é fonte para a dissolução do parlamento, ainda por cima se o partido mais votado tem maioria absoluta, como era o caso. Os resultados, desta péssima e antidemocrática decisão presidencial, irão conhecer-se em março de 2024. Porém, uma coisa é certa, a sua família política já é apelidada de ‘Bordel Laranja’, e será deste ‘Bordel’ que Marcelo tem esperanças de que saia o novo governo. Pobre país, que não teve à altura das circunstâncias um presidente da república genuinamente democrático que em duas ocasiões do seu mandato, não exerceu constitucionalmente o seu dever. Pôr a funcionar a democracia, mantendo a estabilidade política, sem interrupções. Por duas vezes, Marcelo interrompe a democracia, suspenda a governação e remete o país para eleições. Tudo, no sentido de fazer regressar ao governo o seu partido, o PSD, agora na versão, mais pesada, ‘Bordel Laranja’. Avizinham-se tempos difíceis, embora para Marcelo, de transição, já que o espera um lugar na ‘Casa de Bragança’, outro símbolo da democracia no nosso país.  

domingo, 17 de dezembro de 2023

 SENTINELA ALERTA! ALERTA, ESTÁ?

Em surdina, vão-se dando passos em direção à venda do Novo Banco (NB). Não é de admirar, pois o proprietário (maioritário), a “Lone Star”, que, lembre-se, é um fundo de capital de risco norte-americano, nunca mostrou qualquer intenção de manter o Banco. Aliás, desde que tomou posse do banco, a sua estratégia foi sempre muito clara. Retirar os ativos mais valiosos e colocar o Estado a gerir as perdas. Não havia qualquer vocação bancária a prosseguir pelo que competia ao acionista minoritário (O Estado português) a suportar essa sua ambição, o que aconteceu durante mais de cinco anos. Agora, diz-se, que a Lone Star quer vender os seus 75%, pela módica quantia de dois mil milhões de euros. Lembre-se que a Lone Star terá comprado a sua participação por cerca de mil milhões de euros, com injeções públicos superiores a quatro milhões de euros. Aqui, portanto, nada de novo. O que se segue é que já poderá ser preocupante. Será que vai haver integração do NB em grupo espanhol, já dominante, no sistema bancário português? Será que o acionista minoritário e o Banco de Portugal estão atentos ao que se está a congeminar ‘nas suas costas’? Será que as injeções financeiras levadas a cabo pelo Estado português, no Novo Banco, não beneficiam de qualquer garantia, que salvaguarda os seus interesses? Pelo que se sabe, e sabe-se pouco, durante os seis anos de prevalência da Lone Star no NB, o Estado Português mostrou um certo alheamento à gestão do banco, tendo havido inúmeras operações efeituadas pelo acionista maioritário, quer por si, quer por empresas por si controladas, com evidentes benefícios para si e nenhuma vantagem para o banco ou para a sua reestruturação. A sensação com que se fica é que as entidades portuguesas encarregues de acompanhar o processo de reestruturação do NB, se alhearam da sua gestão e acompanhamento, acabando por omissão, a beneficiar apenas o acionista maioritário. Como é timbre dos portugueses, será agora ( no processo de venda), à última hora, que as autoridades portuguesas, o Banco de Portugal e até o Fundo de Resolução, irão perceber o que os espera. Portugal, mais uma vez, não sairá beneficiado. É, apenas, uma amarga sensação!

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

TIRO AO ALVO – O «CASO DAS GÉMEAS»

Neste momento, a opinião publicada e seus mentores, atiram em todas as direções, para não deixarem o Presidente da República isolado no caso das ‘gémeas’. O país chegou a um ponto de autêntica miséria moral, política e social. Estamos cercados por indivíduos de estatura moral medíocre, a maioria dos quais, acolitados numa comunicação social sem escrúpulos e indigente, que teimam em tornarmo-nos egoístas, desinteressados e maledicentes. Pessoas sem princípios, muitos deles delinquentes, que são ressocializados, não por qualquer programa de recuperação, mas sim pelos compadrios das “famílias”, dos clãs ou simplesmente «compagnon de route» do crime mais ou menos organizado, pavoneiam-se diariamente na nossa comunicação social, em esquemas de compadrio evidente e ganhos desonestos. Há uma vergonha alheia que paira em todos nós, como se nada pudéssemos fazer. A repulsa e a indignidade, deu lugar ao desencanto e ao desalento. Deixámos que isso acontecesse, na esperança de que aqueles que nos representam, soubessem purificar a nossa democracia afastando as ervas daninhas que cada vez mais crescem ao nosso redor. Ilusão. Alguns órgãos de soberania, estão em ‘falência técnica’. O poder judicial, o poder legislativo e a presidência da república, teimam em não dignificar a nossa democracia. Todos querem ser protagonistas exacerbados da má política e da prevalência do seu quintal. O poder judicial, nas suas diversas vertentes, desde o topo à base, é presentemente, altamente deficitário em matéria de justiça em nome do povo, daí, talvez, o seu pendor para a judicialização da política. Casos como, as últimas investigações do Ministério Público, que levaram à queda do governo, passando pelos 4 anos de escutas a um membro do governo, até à congelação no Supremo Tribunal de Justiça, de uma escuta onde se invoca o nome do ex-primeiro-ministro António Costa, numa demonstração de poder bacoco e irrelevante, a que se junta o já crónico atraso na administração e realização da justiça, são os exemplos acabados do atual estado do poder judicial. Em linha, se encontra o poder legislativo. Com componentes antidemocráticas no seu seio, o poder legislativo encontra-se desacreditado e é ineficiente nas tarefas da construção e solidificação da democracia. O estabelecimento de consensos para as questões de âmbito nacional (e até internacional) é uma utopia irrealizável perante a fraqueza política dos atuais parlamentares e seus líderes. E que dizer, da presidência da república, ou melhor, do seu atual ‘líder’? Tornou-se, significativamente, irrelevante e ‘vitima’ dos seus próprios abusos. Como tal é, a presidência da república, hoje, uma instituição desacreditada e democraticamente deficitária. Quando o regime democrático precisou do Presidente (2021 e 22023), ele não esteve à altura. Claudicou no exercício da democracia. Não exerceu o poder e a influência, que se exigia, na estabilidade governativa do país. Preferiu (interessadamente) a crise com vista à obtenção de resultados para os ‘seus’. O povo não lhe fez a vontade e até o repreendeu com a maioria absoluta do PS. De novo, agora em 2023, volta a não cumprir a constituição e decide de novo afrontá-la. Mesmo com cansaço, o povo irá responder-lhe à altura. Até lá, ficámos a saber, que Marcelo sabe exercer o poder e o seu magistério de influência, mas em questões de natureza não democrática. Cada um é para o que nasce!

 

  

sábado, 9 de dezembro de 2023

 NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA!

Se há melhor exemplo, entre a teoria e a prática, ele é sem dúvida, o exercício presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, o professor de direito constitucional, que nunca soube cumprir a constituição, durante os seus mandatos. Será isto, uma resultante de algum enquistamento democrático? É bem possível que sim!

As duas últimas dissoluções da assembleia da república (04-11-2021 e 07-11-2023), são disso exemplo vivo. Em vez de pôr a democracia a funcionar, em ambos os casos, optou pelo mais fácil e mais caro, com o eufemismo da devolução da palavra ao povo. É que, em ambos os casos, havia maioria absoluta no parlamento. Faltou-lhe a cultura democrática que outros em Portugal, e nas mesmas condições, já tiveram, cumprindo a constituição.

É bom lembrar, que quando os constituintes de 1976 e 1982 (curiosamente onde Marcelo, neste último, se incluía), delinearam o semipresidencialismo português, a sua grande preocupação foi a de favorecer a estabilidade governativa, já que o sistema proporcional então adotado não ajudava à formação de maiorias absolutas, pelo que, todos os partidos que venciam as eleições legislativas deviam ter a possibilidade de formar governo mesmo sem atingir essa fasquia, sem serem forçados a fazer coligações contranatura ou simplesmente não previsíveis pelos eleitores.

 Como refere Jorge Pereira da Silva (vide jornal Expresso, 07-12-2023) “Para viabilizar governos de maioria relativa – impropriamente designados “governos minoritários” –, a Constituição estabeleceu assim que o programa do governo não tem de ser votado na Assembleia da República. Ao contrário do que sucede na vizinha Espanha, não existe entre nós necessidade de uma investidura parlamentar do executivo. É certo que, para o governo entrar em plenitude de funções, o seu programa tem de ser apresentado e debatido no Parlamento, mas só será sujeito a votação se algum partido da oposição propuser formalmente a sua rejeição”.

Acontece que o presidente da república, Marcelo, por duas vezes, não soube interpretar a constituição, uma vez que as principais causas de instabilidade política não foram nem a rejeição do programa do governo, nem a aprovação de moções de censura, nem menos ainda a reprovação de votos de confiança. Foram, isso sim, a demissão do primeiro-ministro e o chumbo do orçamento de Estado.

E o escândalo ainda é maior, nesta última dissolução, pois associou grosseiramente a maioria do PS a António Costa e a saída deste à convocação de novas eleições legislativas. Não satisfeito e em absoluta fraude à constituição, o presidente aceitou a demissão do primeiro-ministro em (07-11-2023) e publicou em nota no sítio oficial da presidência, mas só formalizou a mesma, agora em 08-12-2023. Isto não é terceiro mundo. É a chico espertice em modo académico, nas vestes presidenciais.

Esta forma de fazer política, nada tem a ver com o sistema constitucionalmente democrático e, muito menos, com o Estado de Direto Democrático. São resquícios do exercício de uma direita conservadora autoritária que, na posse de algum poder, transforma tudo em poder absoluto. Marcelo sabe, que as demissões do primeiro-ministro não tinham de redundar sempre em dissolução do Parlamento e em novas eleições – uma vez que nos termos constitucionais, apenas se impunha a nomeação de um novo primeiro-ministro.

Mas a chantagem, o amiguismo, a falta de sentido de Estado, levou sempre Marcelo a escolher a solução que melhor servia os seus interesses políticos em total desrespeito pelas regras da democracia representativa. Perante a incerteza que se adivinha, após 10 de março de 2024, era bom refletir sobre se os caminhos que o sistema de governo português tem seguido ultimamente – ao arrepio do propósito original dos constituintes de 1976 e 1982 – são os que melhor servem o País e os portugueses. Ou se, pelo contrário, pode haver estabilidade política para além da figura do primeiro-ministro e vida para além do orçamento! Quando presidentes, como Marcelo, se arrogam no direito de fazer uma interpretação individualista da constituição, mesmo que ao seu arrepio, é altura de prevenir o futuro …