São diversos os estudos que apontam para a “viabilidade da mutualização de dívidas entre os países da zona do euro, ou seja, Coronabonds (por exemplo, França, Itália, Espanha e Bélgica). Todos os países da zona do euro poderiam participar (incluindo a Alemanha e os Países Baixos), mas também funcionariam efetivamente sem o apoio alemão e holandês.”
Segundo estes estudos, um dos principais riscos que a União Europeia enfrenta no contexto desta crise é o implosão da zona euro (nomeadamente Áustria, Bélgica, Chipre, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos Holanda, Portugal, Eslováquia, Eslovênia e Espanha). A implosão da zona do euro provavelmente significará o fim do projeto europeu como o conhecemos hoje
Lucas Chancel, em magnífico estudo recentemente publicado no “World Inequality Lab”, de abril deste ano, de que Thomas piketty é Co-diretor, descreve exemplarmente a forma como a união europeia, particularmente a zona euro, deveria responder no contexto desta crise. O autor descreve as etapas práticas nessa direção: (I) “Criação de uma Agência do Tesouro Europeu Solidariedade que emite uma nova dívida (ou "Veículo para fins especiais") chamada "Coronabond-1"; (II) A dívida emitida representaria aproximadamente 5% do PIB dos países participantes em 2020 (ou 250 bilhões de euros no caso da França, Itália, Espanha e Bélgica); (III) Estabelecimento de um esquema de pagamento de dívidas através de um novo imposto europeu sobre a solidariedade sobre os lucros das empresas multinacionais. Também seria eficaz se apenas um subconjunto de países da zona euro o adoptasse. Poderia reembolsar a dívida emitida em 2020 em 4-5 anos. O imposto também actuaria como um forte incentivo político e económico para os países actualmente relutantes em aderir à iniciativa.”
Também o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, defendeu a criação de um instrumento europeu comum de emissão de dívida para enfrentar a crise provocada pela Covid-19, considerando que esta é "a escolha certa a fazer". Diz ele, "Não importa qual nome ou o tipo de instrumento -- seja os 'coronabonds' ou outro semelhante --, mas precisamos de criar um mecanismo para a mutualização da dívida a nível europeu, essa é a escolha certa a fazer".
Poderíamos citar “N” trabalhos/estudos que vão neste sentido por essa Europa fora. Seria fastidioso, porém. Mas o que é verdadeiramente novo nestes estudos é a assunção reiterada de que este instrumento europeu comum de emissão de dívida, pode não ter a adesão de todos os países, ou sequer, da Alemanha ou Países Baixos. Ora, isto é novo, quando a este nível sempre se pensou na regra da unanimidade.
No estudo de Lucas Chancel a “viabilidade da mutualização de dívidas entre os países da zona do euro, ou seja, Coronabonds, começaria a ser implementado por um grupo de países, exemplo, França, Itália, Espanha e Bélgica e, posteriormente, todos os restantes países da zona do euro poderiam aderir (incluindo a Alemanha e os Países Baixos).
Nesse sentido, seria assinado entre os quatro países um “Tratado Europeu de Solidariedade” intergovernamental, através do qual se criaria uma agência especial (chamada aqui de “Agência Europeia do Tesouro Solidário”). A Agência seria co-dirigida pelos actuais directores do tesouro da França, Itália, Espanha e Bélgica (as agências responsáveis pela emissão de dívida soberana para os países). O trabalho da Agência seria supervisionado por um órgão parlamentar ad-hoc, composto por membros dos parlamentos de cada país proporcionalmente à sua população tamanho.
Para este autor, nada na legislação da UE impediria esses países de reunir suas dívidas nem estabelecer essa agência O único papel da Agência é criar um “veículo para fins especiais” (SPV), semelhante ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.
O SPV é garantido pelos quatro países e limitado à resposta à pandemia. Chama o autor a esses títulos Coronabonds-1. Na primeira versão (emergência) deste plano, apenas os Coronabonds-1 são mutuamente garantidos. O restante (e grande maioria) das dívidas de cada país permanecem fora do esquema. E isso não pode ser alterado pela Agência.
Para Lucas Chancel, a mutualização limita-se a novas dívidas emitidas para enfrentar a pandemia e deve ser reembolsado por cada país na proporção da dívida acumulada. O contrato pode ser posteriormente revisto através de um acordo entre as três partes.
Não se pense que isto é uma novidade, chama a atenção o autor. “Pools” de países já são elegíveis para o BCE QE (quantitative easing). É o caso dos países nórdicos através do “Investment Bank”, que beneficia apenas os países escandinavos. Seria paradoxal se um conjunto de países da zona do euro não o fosse.
Em geral, a combinação dessas opções sugere que a França, a Itália, Espanha e Bélgica, sozinhas, sem a Alemanha, já poderiam ser beneficiadas com taxas de juros relativamente boas sobre uma dívida emitida em conjunto.
Este mecanismo estaria aberto a todos os outros países europeus (Alemanha, Irlanda, Portugal, Luxemburgo, Grécia etc.) que também entrariam na estrutura de governo da Agência do Tesouro Europeu de Solidariedade (e a política ad-hoc no parlamento com poderes de supervisão). Se e quando todos os países da zona euro aderem ao grupo, o regime pode ser codificado no direito da União Europeia.
Nada nos actuais tratados da UE impede que os países estabeleçam tal agência ainda que sem o apoio de todos os países da zona euro. A emissão de Coronabonds-1 e o estabelecimento de uma estrutura de governação ad-hoc são prerrogativas dos Estados-Membros soberanos.
É importante lembrar que instituições e regulamentos mais importantes estabelecidos pelos Estados-Membros para enfrentar a crise da dívida soberana de 2012 foram inicialmente desenvolvidos em paralelo com Direito da União Europeia, antes de ser absorvido por ele.
Este, parece ser o caminho!...
(*) - Com a devida vénia e autorização este texto reproduz partes de um estudo Lucas Chancel, Co-Director & Senior Economist, World Inequality Lab