terça-feira, 9 de maio de 2023

 “ASSÉDIO JUDICIAL”

O Segredo profissional do advogado

O Supremo Tribunal de Justiça rejeitou, no passado dia 03 de maio, do corrente, duas propostas relativamente ao levantamento do segredo profissional de sociedades de advogados feito pela comissão de inquérito à TAP. Este pedido inscreve-se na falência política e democrática desta CPI, que desde a primeira hora mostrou total incapacidade e competência para cumprir o objeto da Comissão ao ponto do PSD ameaçar apresentar uma queixa-crime contra o governo e/ou governantes, por desobediência qualificada, por estes se negarem a fornecer à Comissão, uma cópia de um alegado parecer que teria dado origem ao despedimento da CEO da TAP e do seu Presidente do Conselho de Administração. O líder do PSD chegou mesmo a dizer que, "Isto é uma distorção completa do equilíbrio de poderes constitucionais entre órgãos de soberania e constitui um crime de desobediência qualificada para os membros do Governo que não cumpriram a determinação da Assembleia da República e se recusam a fazê-lo de forma absolutamente inaceitável. Perante isto, os deputados do PSD na comissão de inquérito em causa vão solicitar que a lei seja aplicada. Compete ao presidente da comissão parlamentar de inquérito dar nota deste incumprimento legal ao presidente da Assembleia da República e compete a este fazer a participação ao Ministério Pública pela prática do crime de desobediência qualificada dos titulares do Ministério das Finanças, Infraestruturas e Presidência do Conselho de Ministros. Quero reafirmar que o interesse do PSD é mesmo apurar toda a verdade”.

Este é o exemplo acabado, da judicialização da política, ou melhor, do referido “assédio judicial”.

A falta de argumentos e até de interesse efetivo na análise do que se passou na TAP, leva o PSD à chicana política e ao recurso a argumentos espúrios, como seja o acesso a alegados pareceres, através dos quais o governo terá sustentado a sua decisão, esta sim, objeto de escrutínio e não os aconselhamentos que levaram à mesma. Por este caminho, qualquer dia o PSD pede a condenação judicial dos pareceristas ilibando, assim, os governos das decisões que tomam, com bases nesses pareceres. Aliás, a referida Comissão de Inquérito à TAP, tem sido um exemplo acabado, dos ataques aos pareceristas, sejam eles advogados ou outros, que na defesa dos interesses dos seus clientes/constituintes, são enormemente mal tratados como se fossem eles o cerne da questão. Ouvi até, numa das audiências gravadas, a Alexandra Reis, um deputado do PSD, que se dizia advogado, e perante a recusa daquela em dizer quais eram as pessoas na TAP, que negociavam com o seu advogado, vociferar que “era advogado há 30 anos e que as conversas com os clientes são profundas e explicam tudo o que se está a passar. O seu advogado não lhe disse com quem estava a negociar, realmente? O meu advogado disse que estava a negociar com os advogados da TAP.” Esta resposta, não satisfez o deputado, advogado. O que ele queria mesmo saber quem eram as pessoas da TAP, nome, idade e profissão, digo eu, com quem os advogados falavam. Este deputado/advogado, decididamente não sabe o que é a representação ou sabendo, está disposto a ignorá-la, para obrigar os outros a violar a lei. Logo ele, que exerce a representação em duas funções. Mas como diz Montenegro, “… o interesse do PSD é mesmo apurar toda a verdade.”

E é nesta senda que, numa aviltante subversão dos princípios constitucionais que regem a profissão de advogado, os deputados da CPI pedem ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) o levantamento de sigilo profissional a três escritórios de advogados, com o argumento de querem conseguir ter toda a informação possível para fazer a melhor análise dos factos e por isso pedem que seja revelado o conteúdo das conversas e o teor dos documentos produzidos pelos advogados que representaram as partes envolvidas no «caso TAP».

Este pedido ao STJ é chocante, pois foi a própria Assembleia da República, órgão de soberania, que se dispôs a violar uma «cláusula pétrea» dos advogados, para encobrir a manifesta incompetência dos deputados da CPI, da sua total impreparação para os poderes investigatórios que lhe estão conferidos, a ausência de sentido de Estado e respeito pelas traves mestras do Estado de Direito Democrático, nomeadamente, a proteção dos direitos dos cidadãos, quando confiam ao advogado informações através do exercício da sua atividade profissional e na base de uma relação de confiança. Ora, radicando no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, o dever de segredo profissional transcende a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação para com o constituinte, para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral. Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam suscetíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue.

Foi essa quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue, que a CPI se mostrou disposta a violar. Felizmente que o Supremo Tribunal de Justiça, estava atento ao pedido capcioso, dos deputados da CPI. Pena é, que outras entidades, como a Ordem dos Advogados (que eu saiba), não se tenham manifestado contra.

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