segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Os Advogados e a Lei do Branqueamento de Capitais


A Lei n.º 83/2017, publicada no Diário da República n.º 159/2017, Série I de 2017-08-18, estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, altera o Código Penal e o Código da Propriedade Industrial e revoga a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho

Nos termos do Artigo 4.º, da referida Lei, estão sujeitos às suas disposições, entre outros, n.º 1, alínea f) Advogados, solicitadores, notários e outros profissionais independentes da área jurídica, constituídos em sociedade ou em prática individual (n.º 1, al. f))
Os advogados (entre outros), estão sujeitos às disposições da presente lei, quando intervenham ou assistam, por conta de um cliente ou noutras circunstâncias, em: a) Operações de compra e venda de bens imóveis, estabelecimentos comerciais ou participações sociais; b) Operações de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos pertencentes a clientes; c) Operações de abertura e gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários; d) Operações de criação, constituição, exploração ou gestão de empresas, sociedades, outras pessoas coletivas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, que envolvam: i) A realização das contribuições e entradas de qualquer tipo para o efeito necessárias; ii) Qualquer dos serviços referidos nas alíneas a) a f) do número seguinte; e) Operações de alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de atividades desportivas profissionais; f) Outras operações financeiras ou imobiliárias, em representação ou em assistência do cliente.

Por este resumo se vê que a nova legislação de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo "é incompatível com o exercício da profissão", com diz, e bem, o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. Na verdade, nunca se tinha ido tão longe nesta matéria, que põe seriamente em risco a profissão, como refere o nosso bastonário, já que força os advogados a serem "uma espécie de denunciantes, em relação aos seus clientes", afetando o "capital inestimável e que garante um Estado de Direito". "A legislação aprovada é um sério ataque ao dever de sigilo dos advogados, timbre da nossa profissão, verdadeira pedra angular sobre a qual se ergue todo o nosso edifício deontológico", acrescenta.
Seguindo o pensamento do bastonário, o Estado não pode transferir competências que cabem às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal para os profissionais, "sob pena de uma completa inversão de papéis e de uma descaracterização seríssima das funções do advogado, constitucionalmente garantidas".

Aplaude-se, por isso, que a Ordem dos Advogados, juntamente com as suas congéneres europeias, estudem "formas de reação conjunta", ao diploma.
Não é aceitável e é um precedente perigoso, obrigar os advogados a violarem um dos princípios fundamentais da sua profissão e que tem respaldo constitucional, como seja, o interesse tutelado com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia isto é, a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração da justiça (art.º 208.º da Constituição da República Portuguesa)
O advogado tem o estrito dever de reserva absoluta, isto é, não está obrigado ao dever de comunicação, está isento da obrigação de participação ou não tem o dever de denúncia, bem pelo contrário, em qualquer das seguintes situações: (i) quando tenha obtido informações no contexto da avaliação da situação jurídica do cliente, ou no âmbito da consulta jurídica, incluindo o aconselhamento relativo à maneira de propor ou evitar um processo, e (ii) quando exerça a sua missão de defesa ou representação do cliente num processo judicial, ou a respeito de um processo judicial, isto quer as informações sejam obtidas antes, durante ou depois do processo.
Como se diz no Parecer do Conselho Geral n.º E-14/02, aprovado em 12-04-2012, e no qual foi relator o Dr. Jaime Medeiros, “O segredo profissional não é um direito mas uma obrigação legal do advogado. A obrigação de segredo profissional não é estabelecida em benefício direto de cada um dos clientes, pois vincula o advogado mesmo contra a vontade e o interesse do seu cliente. A obrigação de segredo profissional é um dever de ordem pública, só cedendo nos casos excecionalmente previstos na lei (...)”

Também o Código de Deontologia dos Advogados da União Europeia é muito claro nesta matéria. Senão, vejamos:
"Confidentiality
                - It is of the essence of a lawyer’s function that he should be told by his client things which the client would not tell to others, and that he should be the recipient of other information on a basis of confidence. Without the certainty of confidentiality there canot be trust. Confidentiality is therefore a primary and fundamental right and duty of the lawyer. The lawyer’s obligation of confidentiality serves the interest of the administration of justice as well as the interest of the client. It is therefore entitled to special protection by the State.
                - A lawyer shall respect the confidentiality of all information that becomes known to him in the course of this professional activity.
                - The obligation of confidentiality is not limited in time.
                - A lawyer shall require his associates and staff and anyone engaged by him in the course of providing professional services to observe the same obligation of confidentiality.”
Concluindo: a legislação aprovada de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transfere para os advogados e outros profissionais competências que cabem às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal, promovendo “… uma completa inversão de papéis e de uma descaracterização seríssima das funções do advogado, constitucionalmente garantidas". (bastonário da AO).

A sobrevivência do Estado de Direito democrático impõe, por certo, que os poderes públicos reprimam com eficácia o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo, não o podendo fazer, porém, à custa da "descaracterização seríssima das funções do advogado".

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