A Lei n.º 83/2017, publicada no Diário
da República n.º 159/2017, Série I de 2017-08-18, estabelece medidas de combate
ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpõe
parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016,
altera o Código Penal e o Código da Propriedade Industrial e revoga a Lei n.º
25/2008, de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho
Nos termos do Artigo 4.º, da
referida Lei, estão sujeitos às suas disposições, entre outros, n.º 1, alínea f) Advogados, solicitadores, notários e
outros profissionais independentes da área jurídica, constituídos em sociedade
ou em prática individual (n.º 1, al. f))
Os advogados (entre outros), estão
sujeitos às disposições da presente lei, quando intervenham ou assistam, por
conta de um cliente ou noutras circunstâncias, em: a) Operações de compra e
venda de bens imóveis, estabelecimentos comerciais ou participações sociais; b)
Operações de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos
pertencentes a clientes; c) Operações de abertura e gestão de contas bancárias,
de poupança ou de valores mobiliários; d) Operações de criação, constituição,
exploração ou gestão de empresas, sociedades, outras pessoas coletivas ou
centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, que envolvam: i) A
realização das contribuições e entradas de qualquer tipo para o efeito
necessárias; ii) Qualquer dos serviços referidos nas alíneas a) a f) do número
seguinte; e) Operações de alienação e aquisição de direitos sobre praticantes
de atividades desportivas profissionais; f) Outras operações financeiras ou
imobiliárias, em representação ou em assistência do cliente.
Por este resumo se vê que a nova
legislação de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do
Terrorismo "é incompatível com o
exercício da profissão", com diz, e bem, o Conselho Regional de Lisboa
da Ordem dos Advogados. Na verdade, nunca se tinha ido tão longe nesta matéria,
que põe seriamente em risco a profissão, como refere o nosso bastonário, já que
força os advogados a serem "uma
espécie de denunciantes, em relação aos seus clientes", afetando o
"capital inestimável e que garante
um Estado de Direito". "A
legislação aprovada é um sério ataque ao dever de sigilo dos advogados, timbre
da nossa profissão, verdadeira pedra angular sobre a qual se ergue todo o nosso
edifício deontológico", acrescenta.
Seguindo o pensamento do bastonário,
o Estado não pode transferir competências que cabem às autoridades judiciárias
e aos órgãos de polícia criminal para os profissionais, "sob pena de uma completa inversão de papéis
e de uma descaracterização seríssima das funções do advogado,
constitucionalmente garantidas".
Aplaude-se, por isso, que a Ordem
dos Advogados, juntamente com as suas congéneres europeias, estudem "formas de reação conjunta", ao
diploma.
Não é aceitável e é um precedente
perigoso, obrigar os advogados a violarem um dos princípios fundamentais da sua
profissão e que tem respaldo constitucional, como seja, o interesse tutelado
com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia isto é, a tutela da
relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício
da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração
da justiça (art.º 208.º da Constituição da República Portuguesa)
O advogado tem o estrito dever de
reserva absoluta, isto é, não está obrigado ao dever de comunicação, está
isento da obrigação de participação ou não tem o dever de denúncia, bem pelo
contrário, em qualquer das seguintes situações: (i) quando tenha obtido
informações no contexto da avaliação da situação jurídica do cliente, ou no
âmbito da consulta jurídica, incluindo o aconselhamento relativo à maneira de
propor ou evitar um processo, e (ii) quando exerça a sua missão de defesa ou
representação do cliente num processo judicial, ou a respeito de um processo
judicial, isto quer as informações sejam obtidas antes, durante ou depois do
processo.
Como se diz no Parecer do
Conselho Geral n.º E-14/02, aprovado em 12-04-2012, e no qual foi relator o Dr.
Jaime Medeiros, “O segredo profissional
não é um direito mas uma obrigação legal do advogado. A obrigação de segredo
profissional não é estabelecida em benefício direto de cada um dos clientes,
pois vincula o advogado mesmo contra a vontade e o interesse do seu cliente. A
obrigação de segredo profissional é um dever de ordem pública, só cedendo nos
casos excecionalmente previstos na lei (...)”
Também o Código de Deontologia
dos Advogados da União Europeia é muito claro nesta matéria. Senão, vejamos:
"Confidentiality
- It is of the essence of a
lawyer’s function that he should be told by his client things which the client
would not tell to others, and that he should be the recipient of other
information on a basis of confidence. Without the certainty of confidentiality
there canot be trust. Confidentiality is therefore a primary and fundamental
right and duty of the lawyer. The lawyer’s obligation of confidentiality serves
the interest of the administration of justice as well as the interest of the
client. It is therefore entitled to special protection by the State.
- A lawyer shall respect the
confidentiality of all information that becomes known to him in the course of
this professional activity.
- The obligation of
confidentiality is not limited in time.
- A lawyer shall require his
associates and staff and anyone engaged by him in the course of providing
professional services to observe the same obligation of confidentiality.”
Concluindo: a legislação aprovada
de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transfere
para os advogados e outros profissionais competências que cabem às autoridades
judiciárias e aos órgãos de polícia criminal, promovendo “… uma completa inversão de papéis e de uma descaracterização seríssima
das funções do advogado, constitucionalmente garantidas". (bastonário da
AO).
A sobrevivência do Estado de
Direito democrático impõe, por certo, que os poderes públicos reprimam com
eficácia o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo, não o
podendo fazer, porém, à custa da "descaracterização
seríssima das funções do advogado".
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