No passado dia 25 de Novembro,
foi assinalado o dia internacional para a
eliminação da violência contra as mulheres, sendo que em Portugal o mote da
campanha, promovida pela secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, foi
#NemMais1MinutodeSilêncio.
Justamente, no momento em que se
assinalava em Portugal este flagelo, vinha a lume o primeiro relatório da nova
Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica que fez o
historial a um caso concreto de morte de uma mulher às mãos do companheiro,
tendo encontrado falhas de todas as entidades públicas que antes da morte se
cruzaram com vítima e agressor. Ministério Publico, GNR e Serviços de Saúde.
O rol de irresponsabilidades das
entidades públicas é impressionante, aterrador e criminosa.
O relatório concluiu que o Ministério
Público, GNR e Serviço Nacional de Saúde fizeram muito pouco nas nove alturas
em que tiveram oportunidade de intervir e eventualmente travar um caso com
sinais claros de "escalada de violência" que em setembro de 2015
acabou com a mulher "esganada" pelo marido que de seguida pegou fogo
à casa onde esta vivia.
Esta situação dramática reflete,
ainda hoje, a mentalidade existente em Portugal, sobre esta matéria: “entre marido e mulher não metas a colher”.
E isto é válido, de sobremaneira, para as entidades públicas. Estas são
preconceituosas, ignorantes e burocratas em excesso.
Vários são os avisos e denúncias das
vítimas, que por vezes têm de se humilhar perante as autoridades policiais,
para buscar proteção, que raramente (ou tardiamente) obtêm. O paradigma é,
invariavelmente, “não podemos fazer nada”,
ainda que as vítimas aleguem temer pela vida.
As entidades judiciais e/ou
policiais, tardam em ser pró-ativas, nesta matéria. Não previnem, não acautelam
nem protegem a vítima. Não tomam qualquer medida de coação sobre o agressor ou
de proteção da vítima depois de uma primeira queixa. Esta é uma das várias
conclusões do relatório.
Veja-se, por exemplo, que do
total de investigações feitas no primeiro semestre deste ano por suspeitas de
violência doméstica no maior distrito judicial do país - o de Lisboa - 85% dos
casos foram arquivados. Se olharmos para os 6299 inquéritos abertos na
Procuradoria-geral Distrital de Lisboa até ao final de Junho, apenas em 960
casos os arguidos foram ou ainda irão a julgamento. Mas mais de quatro mil
arguidos (4089) acabaram por ver as acusações contra si arquivadas.
Por outro lado, nestes primeiros
seis meses do ano, foram 440 os arguidos que, apesar de culpa provada, ficaram
com o cadastro limpo. Ou seja: foi-lhes aplicada a suspensão provisória do
processo. Um mecanismo de simplificação processual aplicado por parte dos
magistrados do Ministério Público - dependente de alguns requisitos - que limpa o cadastro a um arguido desde que
seja cumprida a chamada "injunção".
Essa medida tanto pode passar
pelo pagamento de uma quantia ao Estado, a uma instituição de solidariedade
social, pagamento de uma indemnização à vítima ou apenas pelo "castigo"
de frequentar um programa ou tratamento específico.
Já o relatório da Procuradoria-Geral
da República - divulgado no início deste ano relativo a 2015 e 2016 - revelava
que a violência doméstica é o terceiro na lista dos mais escolhidos pelos
magistrados ao aplicarem esta forma simplificada de processo.
Este mecanismo de intervenção do
Ministério Público não significa um poder arbitrário, utilizado segundo
incontroláveis critérios de oportunidade. Verificados os respetivos
pressupostos legais da suspensão provisória do processo, cessa o dever de
acusar e emerge o dever de suspender (Cfr.,
v.g., João Conde Correia, Concordância Judicial à Suspensão Provisória do
Processo: equívocos que persistem, Revista do Ministério Público, Ano 30,
Jan-Mar 2009, N.º 117, págs. 53 e 54).
Mas este «dever de suspender» não é um dever absoluto, e deverá ser cada vez
mais ponderado, no caso da violência doméstica, uma vez que este tipo de crime
continua a aumentar, apesar da sua crescente visibilidade e consequente
denúncia.
As autoridades têm de dar um
sinal inequívoco ao agressor de que a sociedade não tolera tal tipo de
comportamentos. O regime da prova, de que por vezes se queixa o Ministério
Público, tem de ser revisto, e sofrer alterações de monta, em matéria de
valoração dos depoimentos prestados em Inquérito, sob pena de o combate ao
crime de violência doméstica não lograr sucesso visível.
Dezoito anos depois de as Nações
Unidas (ONU) designarem oficialmente o dia 25 de novembro como Dia
Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, “O legislador não pode esperar que a
violência doméstica cesse com as piores consequências, donde resulte a morte ou
a lesão grave à integridade física das vítimas. Assim, a sua atuação jurídica
tem que ser capaz de acompanhar as necessidades da sociedade.
A violência doméstica deixou de ser uma questão de género, de idades ou
de preconceitos. É hoje uma realidade social, um problema de saúde pública,
traduzida numa proteção jurídica consagrada, mas frequentemente insuficiente,
dados os constrangimentos sociais e, ainda, morais.” (Sara Margarida Novo das
Neves Simões, “O crime de Violência Doméstica: Aspectos materiais e processuais”,
pág. 36, Março de 2015 -Dissertação do 2º Ciclo de Estudos conducente ao grau
de Mestre em Direito Forense, Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de
Direito Escola de Lisboa)
O crime de violência doméstica
não pode ser tratado com doméstica
benevolência!
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