terça-feira, 28 de novembro de 2017

Violência Doméstica - Todos falham, exceto a vítima, que morreu!


No passado dia 25 de Novembro, foi assinalado o dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres, sendo que em Portugal o mote da campanha, promovida pela secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, foi #NemMais1MinutodeSilêncio.
Justamente, no momento em que se assinalava em Portugal este flagelo, vinha a lume o primeiro relatório da nova Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica que fez o historial a um caso concreto de morte de uma mulher às mãos do companheiro, tendo encontrado falhas de todas as entidades públicas que antes da morte se cruzaram com vítima e agressor. Ministério Publico, GNR e Serviços de Saúde.
O rol de irresponsabilidades das entidades públicas é impressionante, aterrador e criminosa.
O relatório concluiu que o Ministério Público, GNR e Serviço Nacional de Saúde fizeram muito pouco nas nove alturas em que tiveram oportunidade de intervir e eventualmente travar um caso com sinais claros de "escalada de violência" que em setembro de 2015 acabou com a mulher "esganada" pelo marido que de seguida pegou fogo à casa onde esta vivia.
Esta situação dramática reflete, ainda hoje, a mentalidade existente em Portugal, sobre esta matéria: “entre marido e mulher não metas a colher”. E isto é válido, de sobremaneira, para as entidades públicas. Estas são preconceituosas, ignorantes e burocratas em excesso.
Vários são os avisos e denúncias das vítimas, que por vezes têm de se humilhar perante as autoridades policiais, para buscar proteção, que raramente (ou tardiamente) obtêm. O paradigma é, invariavelmente, “não podemos fazer nada”, ainda que as vítimas aleguem temer pela vida.
As entidades judiciais e/ou policiais, tardam em ser pró-ativas, nesta matéria. Não previnem, não acautelam nem protegem a vítima. Não tomam qualquer medida de coação sobre o agressor ou de proteção da vítima depois de uma primeira queixa. Esta é uma das várias conclusões do relatório.
Veja-se, por exemplo, que do total de investigações feitas no primeiro semestre deste ano por suspeitas de violência doméstica no maior distrito judicial do país - o de Lisboa - 85% dos casos foram arquivados. Se olharmos para os 6299 inquéritos abertos na Procuradoria-geral Distrital de Lisboa até ao final de Junho, apenas em 960 casos os arguidos foram ou ainda irão a julgamento. Mas mais de quatro mil arguidos (4089) acabaram por ver as acusações contra si arquivadas.
Por outro lado, nestes primeiros seis meses do ano, foram 440 os arguidos que, apesar de culpa provada, ficaram com o cadastro limpo. Ou seja: foi-lhes aplicada a suspensão provisória do processo. Um mecanismo de simplificação processual aplicado por parte dos magistrados do Ministério Público - dependente de alguns requisitos - que limpa o cadastro a um arguido desde que seja cumprida a chamada "injunção".
Essa medida tanto pode passar pelo pagamento de uma quantia ao Estado, a uma instituição de solidariedade social, pagamento de uma indemnização à vítima ou apenas pelo "castigo" de frequentar um programa ou tratamento específico.
Já o relatório da Procuradoria-Geral da República - divulgado no início deste ano relativo a 2015 e 2016 - revelava que a violência doméstica é o terceiro na lista dos mais escolhidos pelos magistrados ao aplicarem esta forma simplificada de processo.
Este mecanismo de intervenção do Ministério Público não significa um poder arbitrário, utilizado segundo incontroláveis critérios de oportunidade. Verificados os respetivos pressupostos legais da suspensão provisória do processo, cessa o dever de acusar e emerge o dever de suspender (Cfr., v.g., João Conde Correia, Concordância Judicial à Suspensão Provisória do Processo: equívocos que persistem, Revista do Ministério Público, Ano 30, Jan-Mar 2009, N.º 117, págs. 53 e 54).
Mas este «dever de suspender» não é um dever absoluto, e deverá ser cada vez mais ponderado, no caso da violência doméstica, uma vez que este tipo de crime continua a aumentar, apesar da sua crescente visibilidade e consequente denúncia.
As autoridades têm de dar um sinal inequívoco ao agressor de que a sociedade não tolera tal tipo de comportamentos. O regime da prova, de que por vezes se queixa o Ministério Público, tem de ser revisto, e sofrer alterações de monta, em matéria de valoração dos depoimentos prestados em Inquérito, sob pena de o combate ao crime de violência doméstica não lograr sucesso visível.
Dezoito anos depois de as Nações Unidas (ONU) designarem oficialmente o dia 25 de novembro como Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, “O legislador não pode esperar que a violência doméstica cesse com as piores consequências, donde resulte a morte ou a lesão grave à integridade física das vítimas. Assim, a sua atuação jurídica tem que ser capaz de acompanhar as necessidades da sociedade.
A violência doméstica deixou de ser uma questão de género, de idades ou de preconceitos. É hoje uma realidade social, um problema de saúde pública, traduzida numa proteção jurídica consagrada, mas frequentemente insuficiente, dados os constrangimentos sociais e, ainda, morais.” (Sara Margarida Novo das Neves Simões, “O crime de Violência Doméstica: Aspectos materiais e processuais”, pág. 36, Março de 2015 -Dissertação do 2º Ciclo de Estudos conducente ao grau de Mestre em Direito Forense, Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Direito Escola de Lisboa)
O crime de violência doméstica não pode ser tratado com doméstica benevolência!


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