Em grandes parangonas
e até com o pensamento ressabiado de Cavaco Silva, em pleno Facebook, o Governo,
a maioria que o sustenta e a maioria que dele se sustentam, vêm alardear a
saída da tróica como um feito transcendental a eles devido, claro, para tanto
assinalando o fato com «pompa e
circunstância», através de um conselho de ministro extraordinário no
próximo dia 17 de Maio, embora o parceiro de coligação, em relógio digital,
adquirido e pago com as subvenções do Estado, em Janeiro de 2014, pelas contas ao número de dias
assinalados no relógio, o trio de credores internacionais só deixaria o país a
17 de Junho.
Sabe-se, hoje, que a ‘festa’ vai ter lugar, efetivamente, a
17 de Maio, embora a tróica só saia do país em finais de Junho de 2014.
Dificuldades burocráticas, é o que dizem …!
Seja como for, é hoje possível fazer um balanço destes 3 (três)
anos de governação com a tróica (que era bem-vinda, como se sabe, vide
declarações de Passos Coelho “A mudança, hoje, está facilitada por aquilo que é o programa
de ajustamento da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional. Está muito
facilitada porque aquilo que eu tenho vindo a dizer que é preciso fazer está,
em parte, neste documento. (...) De certa maneira o PSD ganhou um aliado, que
foi o programa de ajustamento. (...) O nosso programa vai muito para lá do
programa da troika, é verdade”, Pedro Passos Coelho, 28 de maio de 2011,
Expresso). Data
curiosa, não é?
Adiante. Três anos volvidos desta parceria
executiva e os lastros de destruição são assombrosos. Segundo o INE (Março de 2014),
o designado programa de ajustamento,
criou quase dois milhões de portugueses a
viver com menos de 409 euros por mês, praticamente metade dos portugueses não
pode acudir a uma despesa de 400 euros sem recorrer a crédito, ser velho ou ter
filhos é uma porta aberta para a pobreza, mais de metade das pessoas em
situação de desemprego não recebem subsídio e, estavam no desemprego, em finais
de 2013, cerca de 16,40%, sendo o desemprego jovem na casa dos 42,00%, no mesmo
ano.
A tudo isto acresce, o «brutal aumento de impostos», e a
redução generalizado do acesso aos cuidados de saúde, ao sistema educativo, às
prestações sociais, etc., etc.
E, perante isto, os objetivos do programa foram cumpridos?
Não.
A dívida pública aumentou, o deficit público não diminuiu, a
dívida privada é astronômica, a economia não cresceu, antes pelo contrário, o
desemprego disparou, e as crianças e os idosos foram, por ato de governação
consciente desta maioria, colocados a viver abaixo do limiar da pobreza o que
constitui um verdadeiro atentado aos mais elementares direitos fundamentais da
pessoa humana, protegidos quer pela Constituição da República Portuguesa, quer
pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, a que voluntariamente aderimos.
E porque este governo e esta maioria que o sustenta escolheu
deliberada e conscientemente esta política de verdadeiro atentado aos direitos
humanos, seguimos o entendimento do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Direitos Humanos que vê a pobreza como uma “condição humana caracterizada pela privação
prolongada e crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poderes
necessários para desfrutar de um padrão de vida adequado e outros direitos
civis, culturais, económico e sociais”, situação que se vem a verificar de
há três anos para cá relativamente a uma parte muito significativa quer da
população mais idosa quer e sobretudo às crianças deste país, na sequência da
implementação do programa de ajustamento e as derivas neoliberais para o seu
cumprimento, assumidas expressamente por Passos Coelho, em 2011, quando afirmou
“O nosso programa [governo]
vai muito para lá do programa da troika, é verdade.”.
É neste estado de
coisas que com propriedade se pode dizer, que há uma restrição muito significativa
ao nível das necessidades básicas, entendendo-se estas como a negação da
alimentação (há pelo menos 300 mil pessoas a passar fome em Portugal, sendo que
destas 95.000 são crianças), educação, uma vida saudável e habitação, por
exemplo, a comercialização de água, eletricidade e serviços escolares e
hospitalares impelem os preços dos serviços essenciais para além do alcance dos
pobres, forçando-os a vender os seus escassos bens e a viver em condições
sub-humanas, o que, em última análise, lhes retira o direito de viver em
dignidade.
Ora, um governo que
atua assim perante a sua população, não só deve ser censurado nas urnas mas,
sobretudo, nos tribunais, já que estamos perante uma ofensa aos direitos
fundamentais das pessoas. É, pois um caso de polícia.
A ditadura da pobreza
e da indigência, levada a cabo por este governo e pela maioria que o sustenta,
terá que ser punida como quaisquer outras ditaduras que proliferam por esse
mundo fora.
O abandono pelo
governo de crianças e idosos à fome é um crime hediondo equiparável aos crimes
de sangue e como tal devem ser punidos.
O endividamento do
país, o recurso à ajuda financeira externa, as condições impostas pelos
credores, e tretas do mesmo gênero, não justificam uma política de total
desrespeito dos direitos fundamentais das pessoas, de entre elas, das mais
desfavorecidas e das indefesas, como é o caso dos menores. Quando o governo e a
maioria que o sustenta e o que delas se sustentam ostentam riqueza e
normalidade econômico-social, fazendo parecer que nada de anormal se passa no
país, é caso para dizer que o regular funcionamento das instituições
democráticas está seriamente em perigo e que quem tem responsabilidades para
por termo a tais desmandes se encontra totalmente anestesiado pela “saída airosa”, esquecendo as obrigações
constitucionais que decorrem da sua (infeliz!) eleição.
À semelhança do que
se passou na Islândia, há que pugnar pela punição dos governantes que lançam à
fome velhos e crianças, que como dizia o antigo Presidente da República Ramalho
Eanes da «pobreza que envergonha e ofende a dignidade do Homem».
Não tenhamos medo das palavras. Esta é uma opção política e ideológica
assumida por este Governo e esta maioria com o beneplácito do Presidente da
República. Estes homens de palha da economia de
casino insensíveis ao outro seu semelhante merecem a reprovação e repulsa de
todos aqueles que não toleram a violação sistemática dos direitos básicos e
fundamentais de uma grande parte dos portugueses.
Segundo Philippe Legrain, ex-conselheiro económico
independente do presidente da Comissão Europeia, no livro que acaba de publicar
“European Spring: Why our Economies and
Politics are in a mess”, “… a
recessão [em Portugal] foi
desnecessariamente longa e profunda e, em resultado dos erros cometidos, a
dívida pública é muito mais alta do que teria sido. A austeridade foi
completamente contraproducente, as pessoas sofreram horrores e isso prejudicou
imenso a economia.”
“A troika (…) [em Portugal] que desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer
controlo democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse
dos credores de Portugal. E pior que tudo, impondo as políticas erradas. Já é
mau demais ter-se um patrão imperial porque não tem base democrática, mas é
pior ainda quando este patrão lhe impõe o caminho errado. Isso tornou-se claro
quando em vez de enfrentarem os problemas do sector bancário, a Europa entrou
numa corrida à austeridade coletiva que provocou recessões desnecessariamente
longas e tão severas que agravaram a situação das finanças públicas. Foi
claramente o que aconteceu em Portugal.” (idem)
E depois destas
verdades escritas em livro, diz ainda o mesmo autor:
“Ou seja, o que começou
por ser uma crise bancária que deveria ter unido a Europa nos esforços para
limitar os bancos, acabou por se transformar numa crise da dívida que dividiu a
Europa entre países credores e países devedores. E em que as instituições europeias
funcionaram como instrumentos para os credores imporem a sua vontade aos
devedores. Podemos vê-lo claramente em Portugal.”
Resumindo: Quem se
candidata a gerir os destinos de um país, tem de ter a consciência que as
opções ditadas por circunstâncias externas a que não estão aptos a contradizer
e/ou alterar, torna-os cúmplices dos crimes que forem praticados e como cúmplices
e em alguns autores confessos, devem ser punidos por como tal.
Da mesma forma que a
comunidade internacional não tolera e condena os crimes praticados pelos
ditadores, ou a conivência dos mesmos com o crime organizado, ou a autoria de genocídios
e /ou abandono das populações, também aqui, no nosso caso, há razões mais que
suficientes para pedir a incriminação dos políticos que atentaram de uma forma
livre e consciente, contra os direitos básicos e fundamentais de uma boa parte
dos cidadãos mais velhos e indefesos, vetando-os à fome, ao abandono e à
miséria.
Nada justifica ou
justificou tal procedimento a não ser a total impunidade e insensibilidade de
estes homens de palha que trocaram a ética do carácter “por um prato de lentilhas”.
É pena que os mais
sacrificados e atingidos por esta tragédia não possam fazer sentir a sua ira. Compete aos restantes, manifestarem a sua indignação e frontal oposição.