sábado, 19 de abril de 2025

 Aos Meus Netos

 Aos meus netos, que sabem que o 25 de Abril não foi escrito por códigos ou algoritmos frios, mas por mãos que, cansadas de silêncio, arrancaram espinhos ao medo e plantaram cravos nos canos das espingardas. 

Nenhuma IA desenhou a coragem da madrugada em que os tanques viraram flores, nem programou o tremor das vozes que, em segredo, trocaram versos de resistência enquanto o rádio anunciava “Grândola” como senha. 

 A inteligência artificial não sonha. 

Não entende o cheiro da terra molhada após décadas de seca,

nem o peso das chaves atiradas às janelas quando o povo descobriu que as grades eram mentira. 

 Há histórias que só o sangue escreve:  o de Salgueiro Maia, pulsando nas têmporas, o das mães que costuraram bandeiras de esperança, o dos presos políticos que, mesmo sem luz, desenhavam liberdade nas paredes da cela. 

 Netos meus, guardem isto: 

o algoritmo não inventa abraços,

não tece a solidariedade das ruas,

não ouve o silêncio quebrado por uma canção. 

A revolução foi um suspiro humano,

um "até aqui" de gente comum

que ousou trocar ordens por perguntas. 

 E se um dia duvidarem,

lembrem-se: 

as máquinas não choram

quando leem cartas de exílio,

nem sabem o sabor do pão

partido em abril. 

 Porque a memória é um ato de resistência, o 25 de Abril não cabe em redes neurais:  ele é raiz, é cravo, é verso roubado ao esquecimento. 

E vocês, netos, são a prova viva de que a liberdade não se atualiza em softwares — renasce, sempre, nas mãos que a constroem. 

Para que nunca confundam a fria precisão das máquinas com o caos quente de sermos humanos.

 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

 A PULSÃO DOS PEDROS

Aceito que discutir o que escrevem os analistas ou afins da nossa política é passar ao lado do que é essencial. A verdade é que muitos analistas, cronistas e afins, acabam por falar do que é essencial, ainda que de forma canhestra ou comprometida. É o caso de Clara Ferreira Alves, no Expresso, na sua habitual coluna - Pluma Caprichosa. Também ela, em resumo, arfava pelo regresso de Pedro Passos Coelho (PPC).

No passado, outro Pedro, da mesma família política, provocava-lhe suores. Pedro Santana Lopes. Creio, certamente em erro, que não era pelo conteúdo, mas pela forma. Seja como for, os apaniguados juntam-se, para fazer saltar Montenegro e abrir a porta a PPC. Não sei se o professor está disponível para interromper a sua ‘brilhante’ carreira académica. Seja como for, eles querem. Há uma parte do PSD, saudosista, que nada mais vêm à sua frente, senão PPC. Veem nele as qualidades de líder que nenhum outro companheiro tem. Creio que tudo tem a ver com a sua qualidade de submissão à Troica e, sobretudo, a sua coragem para ir ‘além da troica’. Hoje, na Europa, quando se reflete sobre este período da crise financeira, e a forma como alguns países, incluindo Portugal, foram tratados pelas instituições europeias e internacionais, derramam-se ‘lágrimas de crocodilo’ sobre a bestialidade das políticas impostas e dos efémeros resultados das mesmas. Porém, há quem tenha gostado. São uma espécie de Malthusianos, dos nossos tempos.

 

 LIMPEZA ÉTICA – A OPORTUNIDADE PERDIDA?

Cada eleição antecipada, tem a sua história. A que vem aí, é fruto de uma promiscuidade entre a atividade política e atividade pessoal e profissional do primeiro-ministro, que levou à sua queda. O mais incompreensível é, conhecendo-se o que se conhece, Luís Montenegro, usar das regras da democracia para sufragar o seu comportamento, ou seja, submeter o governo de Portugal a uma moção de confiança, para legitimar comportamentos individuais do primeiro-ministro, encontrando-se estes desligados da governação. Falta de vergonha, só pode ser. Luís Montenegro, atingiu o ridículo ao usar um órgão de soberania, para cobrir as suas atividades privadas, intrinsecamente beneficiárias do seu trajeto político, até à denuncia, e só esta serviu para estancar a hemorragia de dinheiros públicos, semipúblicos ou privados, canalizados para a sua atividade individual e/ou familiar.

Pacheco Pereira, comenta que a apresentação de uma moção de censura por Montenegro foi um suicídio político. Aparentemente sim. Mas tudo indica que Montenegro estava (está) convencido de que nada de errado fez, por usar e abusar da sua condição político partidária, ao longo dos anos, para dai extrair benefícios pessoais e familiares. Uma situação muito comum, nos chamados advogados/políticos. Estão na política para servir o bem próprio em detrimento do bem comum. Há uma espécie de ideia de que esta «classe» beneficia de um estatuto ‘supra cidadão’. É curioso, que a nossa história deu exemplos marcantes de advogados que se dedicaram à defesa das liberdades e do bem comum, sem nada quererem para eles, pagando até, muitas vezes, com a sua própria liberdade.

Pelo contrário, esta «classe», nascida após Abril de 1974, não aprendeu nada, de sério. E, por isso, hoje, quer no governo do continente quer no governo da Madeira, temos dois advogados/políticos suspeitos de atividades do foro civil se não mesmo criminal. Politicamente, estão feridos mortalmente, e a ética obrigava a que abdicassem, mas não é isso que se passa. Por razões diversas, ambos se querem manter no poder, ambos concorrendo à reeleição. Um já foi reeleito. Mais uma vez, a justiça vai ter de esperar.

Esta seria a oportunidade única, para uma limpeza ética. Os portugueses têm a obrigação de punir os deputados delinquentes e os partidos que os apoiam bem como os políticos que andam nas margens da corrupção e se aproveitam sem escrúpulos do Estado de Direito Democrático, não os elegendo.

Na Madeira, decidiu-se manter o «status quo». Que assim seja.

 

 “AVERIGUAÇÃO PREVENTIVA” - A nova parceria pública ou privada (MP/Jornalistas)

Com a tomada de posse do novo procurador-geral da República, da escolha do já demissionário governo da AD, sem intervenção do PR, assistiu-se a uma ‘inovação’ no campo da investigação criminal, que dá pelo nome de “Averiguação preventiva”, procedimento administrativo preliminar usado para avaliar se há elementos suficientes para justificar a abertura de um inquérito. Este procedimento, de muito pouco uso, foi chamado ao multifacetado caso Montenegro, pois o MP entendeu que seria necessário recolher informações e provas antes da abertura formal de um processo penal.

Por aquilo que se percebe, o objetivo é determinar se há indícios suficientes para justificar a investigação ou acusação formal do primeiro-Ministro Montenegro.

Durante a averiguação preventiva, as autoridades podem utilizar diversas técnicas de investigação, respeitando sempre os direitos fundamentais dos cidadãos, como a garantia de presunção de inocência e o direito à privacidade. Esta fase é crucial para assegurar que apenas casos com fundamento suficiente avancem para a fase de investigação formal e, eventualmente, para julgamento.

Apesar da ‘inovação’, este procedimento tem a vantagem de não ter arguido e, consequentemente, medidas de coação, designadamente, o termo de identidade e residência. É, pois, um procedimento administrativo preliminar, muito próximo (salvas as devidas distâncias) do dito jornalismo de investigação. E foi assim que o Observador o interpretou. Daí, Luís Montenegro, se ter voluntariado para por à disposição o dossier com a ‘sua história’ ao dito Observador que, depois, certamente, o fará chegar ao tal procedimento administrativo preliminar, denominado, ‘averiguação preventiva’, conduzido (em princípio) pelo Ministério Público. Uma «Joint venture» perfeita. Que já deu frutos. O Observador, através do seu ‘inspetor’ Luís Rosa, fez publicar um extenso trabalho, baseado nos milhares de documentos que lhe foram facultados, de onde já extraiu algumas conclusões e interrogações, a mais significativa é “a de que a montanha de suspeitas pariu um rato?”

Esta interrogativa / conclusiva, parece ser uma violação da pareceria, que ainda dá os seus primeiros passos e já o parceiro, se apressou a tirar conclusões. Podemos admitir que Luís Montenegro deu primeiro os documentos ao Observador, por entender que este era mais lesto e despachado nas conclusões, obviamente, ‘impolutas’. Já o MP, que ainda analisa a documentação que dispõe (alguma ainda não lhe foi entregue, segundo o Expresso de 05-04-2025), será mais lento na apreciação ainda que possa com segurança chegar a mesma conclusão do Observador. Montenegro, não se pode queixar desta pareceria público/privada, que lhe é amiga. Primeiro, porque beneficiou, de um procedimento prévio, ao inquérito crime, o quem faz com que não tenha o estatuto de arguido nem sujeito a medidas de coação. Segundo porque este procedimento administrativo preliminar, conta com a colaboração insuspeita do Observador, e do seu ‘Inspetor’ Luís Rosa, um militante justicialista da escola de Cavaco Silva. Tudo, ‘bons rapazes’.