terça-feira, 25 de julho de 2017

O Direito à Honra 'Post Mortem'



“Os mortos continuam a agir para além da morte. Os cadáveres se dissolvem, mas as obras que eles criaram, as instituições que animaram, as ideias que lançaram ao mundo, os afetos que suscitaram continuam a agir e a fermentar. Quando um corpo volta ao nada, a consciência segue um destino social entre os vivos.” (Jean Ziegler)

Os direitos de personalidade gozam de proteção depois da morte do respetivo titular (art.º 71.º n.º 1, do Código Civil).

Na verdade, a morte, não impede que os bens da personalidade física e moral do defunto possam influir no curso social e que perdurem no mundo das relações jurídicas e sejam como tais autonomamente protegidos. É o caso das partes destacadas do corpo, das disposições de última vontade, de sua identidade, da imagem, da honra, do seu bom nome, da sua vida privada, das suas obras e das demais objetivações criadas pelo defunto e nas quais ele tenha, de um modo muito especial, imprimido sua marca.

O fato de a pessoa já ter falecido não confere à liberdade de expressão um valor absoluto em detrimento de bens vinculados à honra de um indivíduo. O mesmo tratamento conferido à liberdade de expressão quando se está diante de uma pessoa viva deve ser conferido aqueles já falecidos, os quais possuem seus direitos da personalidade tutelados por terceiros legitimados.

A importância da tutela post mortem do bom nome e do crédito está demonstrada no rol extenso de legitimados estipulados no artigo 71.º do CC. O preceito visa, precisamente, garantir uma tutela post mortem, isto é, promover a defesa da memória do falecido, através da atribuição de determinados direitos de defesa àqueles que lhe sucedem na ordem jurídica.

A Constituição da República Portuguesa acolhe a tutela da personalidade que pode ser encontrada no princípio fundamental da Dignidade da pessoa humana (art.º 1º).

Dignidade é tudo aquilo que não tem preço, segundo a conhecida formulação de Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77].
Nessa obra procura-se distinguir aquilo que tem um preço, seja pecuniário seja estimativo, daquilo que é dotado de dignidade – do que é inestimável, do que é indisponível, do que não pode ser objeto de troca.
Afirma-se lapidarmente:
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela tem dignidade.”.

Dignidade é pois o que falta a alguns líderes e dirigentes partidários da direita e também a algumas direções e redações de jornais e jornalistas, no tratamento da tragédia de Pedrogão Grande e da inenarrável e indecorosa contabilidade nominal das vítimas desta tragédia.

Hoje, televisões e jornais digladiam-se diariamente, para incluir uma nova vítima às vítimas anunciadas pelas autoridades competentes. Hoje, qualquer funerária em colaboração estreita com os jornais e tv’s, adita mais umas quantas vítimas ao rol da tragédia, com a característica bem portuguesa de “pelas suas contas” e “pelo que ouviu dizer”, os números têm de ser maiores que os apontados.

Esta miséria humana que pulula nas tv’s e jornais, demonstra total falta de respeito para com as vítimas e as famílias das vítimas, e pratica agressões diárias para com elas criando um estado de ansiedade e um sentimento de grande instabilidade e receio, pelas atoardas diariamente cuspidas de petróleo para a “fogueira das vaidades” em que estas marionetas se movem e se apresentam.

Hoje querem saber os nomes, um por um, das vítimas do trágico incêndio de Pedrogão Grande.

Pouco importa se esses nomes podem ou não ser revelados nesta fase ou se isso ainda atormenta mais os familiares e amigos dos falecidos. Pouco importa! Estes abutres da comunicação social e os seus amigos urubus da política de direita, alimentam-se diariamente dos mortos de Pedrogão Grande e rapam furiosamente os outros incêndios para saciar a animalidade necrófaga que os caracteriza.

“Diante desta massiva violação de direitos humanos, que inunda o país com conceções de cidadãos descartáveis e cadáveres indignos, sejamos como Antígona, que, a despeito das ordens de forças autoritárias maiores, posicionou-se contra o desprezo pela dignidade do outro e a complacência de uma sociedade espectadora, já acostumada com corpos descartáveis.

E que, amanhã, oxalá, haja alguma Antígona por nós…!

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