A
propósito da morte do Tenente-Coronel Marcelino da Mata, ocorrida no passado
dia 12 deste mês, muito se tem escrito e surfado em ondas inimagináveis, só
possível, para quem não esteve sujeito ao Serviço Militar Obrigatório (SMO) ou
estando a ele sujeito, não bateram com os custados, na guerra colonial
de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Para aqueles que pensam que estas guerras
não existiram ou que existindo, foi coisa de pouca monta, lembro aqui que a
maior parte da juventude portuguesa dos anos sessenta e inícios dos anos
setenta do século passado, viu as suas vidas interrompidas, alguns para sempre
e outros com as sequelas ainda hoje não saradas.
Os
milicianos (era assim que se chamava, a quem não era militar de carreira),
foram durante 3 (três), treinados para combater o terrorismo, em missões
de dois anos em teatro de guerra, em África. Eu estive lá, sei do que falo.
Cerca
de 1 milhão de jovens portugueses lutou na guerra colonial e, para a vasta
maioria, foi a experiência individual mais avassaladora das suas vidas. Estima-se
que entre 100-140 mil combatentes sofram de stress pós-traumático. Mas a face mais negra da guerra, são os 9 mil que
pereceram em batalha, os 30 mil feridos e os 14 mil deficientes físicos.
Leio
e arrepia-me as barbaridades que são ditas a propósito da participação obrigatória
de todos nós na guerra colonial. É claro que quem escreve, sobretudo
ideologicamente datado, fá-lo tentando criar a convicção que quem foi para as
guerras do ultramar foi-o voluntariamente, para de lá sair herói. Escrevem,
como se fosse opcional. Quem quisesse não ia, desertava. Muitos o fizeram,
porque não fizemos todos nós? Falta de consciência política? Cobardia, medo,
etc., etc., etc. Pois, nada disso!
As
realidades daqueles tempos, não se prestam a análises simplistas baseadas em
situações de vida atual, em que cada um diz os disparates que quer sem
consequências.
Naqueles
tempos não havia direito ao disparate. E muito menos à recusa de obrigações
consideradas de interesse nacional, como eram aquelas em que decorriam de operações
militares para “defesa” da integridade do território (do Minho a Timor!).
Sabiam?
É
claro que havia (e ainda hoje há), militares de carreira. Aliás, foram estes,
que nos deram a liberdade nascida a 25 de abril de 1974. Mas certamente não
acreditam que a “carne para canhão”, era “abastecida” pelos
militares de carreira? Pois não, não eram.
Eram
os milicianos. alferes, sargentos, cabos-milicianos e praças. Estes eram o
grosso da coluna, recrutados da sociedade civil, em janeiro de cada ano, por um
prazo de três anos, através de um processo de recenseamento obrigatório, para
indivíduos do sexo masculino com 18 ou mais anos de idade.
Não
pretendam apagar da memória daqueles que participaram nas guerras em Africa, a
dor e o sofrimento por que passaram e o desgosto que sentiram por aqueles que
lá ficaram e pelos traumas sofridos.
Não
erro se disser, que a esmagadora maioria de nós (os milicianos) só tinha um
único pensamento. Sair são e salvo, daquele martírio.
Não
sejam exageradamente ignorantes e panfletários. A História do nosso país foi
feita de todos estes factos positivos e negativos, todos eles intrinsecamente
ligados à época em que se verificaram e são, apesar de tudo, um verdadeiro
repositório de saberes que uma parte da sociedade portuguesa tenta renegar.
Coitados
daqueles que escrevem e “pensam” sobre as guerras ultramarinas, através de
modelos ideológicos saídos das “universidades de verão”, sem terem a menor
noção da dimensão e complexidade do assunto de que falam. Numa altura, em que
em Portugal (e não só), nascem forças políticas adeptas de nacionalismos
exacerbados, racismo, xenofobia e adeptas da agressão de países e pessoas, é de
ficar apreensivo com estas pessoas e partidos que são a base de movimentos
maiores aqui no ocidente.
Também
lamento que alguns militares de carreira (hoje na reforma), teçam considerações
acerca das atrocidades cometidas por uns (Marcelino da Mata, por exemplo), e
passem por cima das atrocidades cometidos por outros (tropas especiais, por
exemplo). A quem vamos atribuir a responsabilidade por incendiar aldeamentos?
Por lançar napalm? (proibido pela Convenção de Genebra)? Aos que acenderam e
lançaram a tocha ou àqueles que lançaram a napalm? Mas foram soldados, que sob
o comando de oficiais, cumpriam ordens. Sabem quem são?
Não
conhecem episódios individuais de tortura e maus tratos a detidos, praticados em
teatro de guerra? Eu assisti, impotente.
Todos
juntos, uns mais que outros, é certo, fomos atores de episódios da nossa
história que não nos deixam felizes, como povo. Porém, outros episódios houve,
na nossa história que orgulham não só os portugueses com a nação portuguesa.
Reparem
bem que ainda hoje, no Portugal de abril, temos episódios na vida atual que
envergonham ou deviam envergonhar os portugueses. Quando cerca de dois milhões
de portugueses estão no limiar da pobreza e destes cerca de 150.000 são
crianças, que em inquérito recente, perto de 10%, diz sentir “fome todos os
dias”, é caso para perguntas se isto não é uma “morte lenta” ou uma atrocidade,
tortura ou mesmo maus tratos?
Só
de pensar que aqueles que se atrevem a escrever sobre o nosso passado recente
no alto da sua ignorância e petulância, são os mesmos que com despudorada indiferença
sugam os magros recursos do nosso país, quantas vezes através de atos ilícitos e
criminosos, tirando assim o «pão da boca», desta enorme franja da
população portuguesa.
Isto,
na democracia de abril!