sábado, 29 de fevereiro de 2020

Aeroporto do Montijo - A nova coqueluche do miserabilismo opinativo português


Jornalistas, técnicos, políticos e todos os afins, elegeram o “aeroporto do Montijo” com arma de arremesso ao atual governo todos, sem exceção, como se fossem detentores da verdade absoluta sobre esta matéria. É ou não o Montijo a melhor localização para a instalação do novo aeroporto de Lisboa?   
A partir do momento em que este governo tomou a decisão de construir essa infraestrutura no Montijo, logo se levantaram vozes de dois tipos: uma de cariz ambiental; outra de cariz político e/ou local.
Os primeiros, apesar dos remédios que foram impostos, no parecer da Agência Portuguesa do Ambiente, no Estudo de Impacte Ambiental (EIA) relativo ao projeto do Aeroporto do Montijo e Respetivas Acessibilidades, enquanto autoridade de avaliação de impacte ambiental, “considerou estarem reunidas as condições para a emissão de uma Declaração de Impacte Ambiente Favorável Condicionada à adoção da Solução 2 do estudo prévio da Extensão Sul da Pista 01/19 e Solução Alternativa do estudo prévio da Ligação rodoviária à A12, bem como ao cumprimento de um conjunto de condições.” , logo vieram acolitadas pelo partido “Os Verdes", pedir a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), que trave e "indefira liminarmente" a construção do novo aeroporto no Montijo, por, na sua ótica, se tratar de um "crime ambiental”.
Estes, que em anteriores propostas de localização do aeroporto, que foram cinco recorde-se (Ota, Rio Frio, Poceirão, Faias e Alcochete), sempre os seus pareceres foram negativos, embora os tipos de pássaros atingidos fossem diferentes.
Só para que se perceba o absurdo, a proposta de construção do aeroporto na Ota esteve em análise entre a década de 1960 e 2008. O tempo que durou a ditadura em Portugal!
Para os ambientalistas e partidos analógicos não há lugar a consensos. Tudo são extremos. Curiosamente (ou não), tal como na Ota, também o Montijo dispõe e já dispunham de bases aéreas, ou seja, aviões …
Presume-se que "os pássaros (que) não são estúpidos ... é provável que se (tenham) adapta (do) ...".
Os argumentos de cariz político e/ou local, são mais bairristas e “naïfs” ou, como alguém dizia, mais oportunistas. A Camara Municipal da Moita aprovou em Setembro passado um parecer negativo à construção de um novo aeroporto na base aérea do Montijo. A autarquia aponta Alcochete como alternativa.
É curiosa a fundamentação desta autarquia: “O município da Moita fundamenta a sua oposição ao projeto num conjunto de impactes negativos no território, no ambiente, na saúde, na segurança pública e nos valores culturais e patrimoniais existentes”. Isto é um conjunto de lugares comuns para quem, desde sempre, viveu e conviveu com a base aérea situada entre o Montijo e Alcochete, com os impactos positivos e negativos, que certamente se verificam.  Os “riscos reais para a saúde pública causados pela elevada exposição da população ao ruído e às concentrações de poluentes no ar, contrariando todas as diretivas da Organização Mundial de Saúde.”, como refere a autarquia, tanto se dão com a instalação do aeroporto no Montijo como em Alcochete, o que implica, se os argumentos fossem sérios, que a edilidade se opunha a construção do novo aeroporto quer numa quer noutra localidade. Adiante, com diria o outro …
Para o presidente da Câmara do Seixal, outro opositor ao Montijo e adepto confesso de Alcochete, "Este (o Montijo) é um projeto sem futuro e que daqui por alguns anos estará esgotado, enquanto numa primeira fase do novo Aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete iria fazer-se mais obra pelo valor que se prevê para a opção Montijo, sem afetar a saúde de milhares de pessoas", afirma o autarca.

Quem não se lembra das palavras do ministro de Sócrates, Mário Lino: “Alcochete “Jámé”.

Também na altura, as organizações ambientalistas (vide, p. ex. Quercus), consideravam que a opção de Alcochete para a construção de um novo aeroporto “ameaça fortemente o ambiente e os valores naturais.”
Em relação à construção do aeroporto no campo de tiro de Alcochete a organização ambientalista lembrava que o campo está sob um sistema subterrâneo de reserva de água, que com um novo aeroporto pode diminuir e mesmo ser contaminado, e diz que para a construção dessa estrutura será necessário “abater um número muito grande de sobreiros”.
Talvez agora se perceba melhor, por que é que a construção de um novo aeroporto para Lisboa, se “eterniza” há mais de 60 (sessenta) anos. 
A politica faz-se de escolhas e, sobretudo, de decisões.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Portugal, põe termo as “Despenadeiras”


Tal como aconteceu há bem pouco tempo as “Parteiras” (isto a propósito da despenalização do aborto) hoje, a Assembleia da Republica, por larga maioria, votou favoravelmente a lei da despenalização da eutanásia, assim pondo fim ao recurso as “despenadeiras” de hoje, ou seja, aqueles que ajudam a abreviar a agonio e o sofrimento a doentes terminais.
As “despenadeiras de Nisa”, como nos conta Teófilo de Braga, no seu livro “O povo português: Nos seus costumes, crenças e tradições", citando Mota e Moura, ilustre cidadão de Nisa que ocupou o cargo de presidente da Câmara, que entre os séculos XVIII e XIX, havia um grupo de mulheres (“as despenadeiras”), que terão abreviado a agonia a doentes terminais lá da terra, acreditando estar a praticar um ato de caridade poupando o moribundo ao sofrimento.
"Na mentalidade delas, poucos esclarecidas, iam com boa intenção aliviar o sofrimento das pessoas e depois punham-lhe termo à vida.”
Hoje, 20 de Fevereiro de 2020, com a aprovação da despenalização e regulamentação da morte medicamente assistida em Portugal, passou finalmente a considerar-se que as pessoas em pleno uso das suas faculdades mentais, mas perante um sofrimento profundo ou uma doença incurável, passam a ter a liberdade de escolha, ou seja, liberdade para decidir morrer.
Hoje Portugal, põe termo as “Despenadeiras” ...

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

BASTA de “Chega”

Enquanto o Ministério Público, a passo de caracol, prossegue (?) as suas investigações às alegadas 2600 assinaturas irregulares para a criação do partido o Chega, este vai-se “consolidando” no sistema partidário português, ostentando nos seus órgãos sociais militantes que estiveram em partidos de extrema-direita e movimentos neonazis. Aliás, diz-se, que ao partido têm chegado centenas de militantes de extrema-direita, vindos, designadamente, do PNR. Não admira. A Constituição da República Portuguesa proíbe as associações de ideologia fascista. A fim de contornar a lei, o “Chega”, o PNR e outros de expressão difusa, refugiam-se no nacionalismo e conservadorismo de extrema direita, para o exercício confesso, de uma ideologia protofascista, em todos os campos da vida política, social, económica do país usando das bandeiras do racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial, na sua prática política, acompanhando, assim, os movimentos neofascista que se propagam um pouco por toda a Europa e pelo resto do mundo. O “Chega” é um abcesso na nossa democracia. Há que eliminar politicamente esta infeção, uma vez que ela é contagiosa e está ao nível de uma pandemia, como já se viu.

A Inglaterra, foi-se!

Hoje, dia 01 de fevereiro de 2020, a União Europeia, perdeu um dos seus membros, a Inglaterra, por vontade unilateral desta. Para além de algumas brechas e rombos financeiros, que estes divórcios sempre acarretam, a perda da Inglaterra, na construção europeia, é mais sentida, não tanto pelo contributo que esta deu durante a sua permanência, mas antes, e sobretudo, pela importância do Reino Unido na história da Europa.
Durante 47 anos de permanência na UE, a Inglaterra sempre foi um mau parceiro e muito pouco solidário na construção europeia. Salvam-se alguns períodos, admito. Mas mesmo nesses, a Inglaterra sempre esteve mais fora do que dentro. O Ministro dos negócios estrangeiros português, dizia ontem que, embora Portugal e a Inglaterra tivessem a mais velha aliança era bizarro ver os dois países nas questões europeias. Portugal, sempre europeista e a Inglaterra sempre euro céptica. Eram como dois irmãos cada um a puxar para seu lado, digo eu. Só que o drama não é este. Este é o menor dos males. O drama é que a despedida britânica do clube europeu traz bastantes preocupações aos emigrantes portugueses no Reino Unido. Há cerca de 300 mil portugueses a viver no Reino Unido, a maioria, certamente, com a sua situação regularizada, mas ainda há quem não se tenha registado. Ora, se até 31 de dezembro de 2020, ainda o podem fazer, a partir de 2021, será o Reino Unido a estabelecer a sua própria política de migrações. Uma das bandeiras dos defensores Brexit era a de que a saída deixa o caminho livre para que o Reino Unido possa alterar a política de portas abertas para cidadãos da UE, que consideram uma política cara e fora do controlo, e bloquear a vinda de imigrantes fora da UE. Há que temer algum preconceito racial. O clima a partir de agora, vai ser outro. Que se cuidem, os que lá estão ...
Luis Ferreira, Isabel De Almeida e 2 outras pessoas
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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

A morte por eutanásia carece de “vida”?


O debate está aí, de novo!  
Desde 2017, com votação negativa na AR, em maio de 2018, que a questão da despenalização da eutanásia em Portugal tem sido tema de debate com diversos matizes. Naquela época, o debate centrava-se na questão essencial, ou seja, a dimensão ética da eutanásia a qual se dizia não cabia em princípios gerais, como o da simetria ou o da diferença moral 
hoje o debate político sobre esta matéria não tem qualidade. Aqueles que foram os grandes vencedores da rejeição da lei da despenalização na AR, em 2018, são os mesmos que agora defendem a realização de um referendo, exatamente com o argumento de que a AR não tem legitimidade para legislar sobre esta matéria. 
O debate agora é esquerda/direita. Ou melhor esquerdas/direitas e extrema-direita. E a igreja católica, claro! 
Esta, pela voz do secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no final da reunião do Conselho Permanente, disse que o referendo, "embora a vida não seja referendável", pode ser, nas atuais circunstâncias, uma forma "útil para defender a vida no seu todo, desde o princípio até ao seu fim natural". 
Claro que esta posição não é mais do que “empurrar com a barriga para a frente”.  Adiar é o lema! 
Nesta segunda investida legislativa sobre a eutanásia, ouvem-se slogans do tipo “não matem os velhinhos”, o que denota uma ignorância só comparável àquela que dizia “que os comunistas comiam criancinhas” 
A questão central, porém, permanece. Deverá ou não ser permitido aos cidadãos em certas circunstâncias pôr termo à vida? Deverá ou não ser permitido aos cidadãos em certas circunstâncias ter uma morte assistida? 
Partindo da perspetiva filosófica de que a morte é uma dimensão da existência humana, já que somos finitos e mortais, temos o direito não apenas de viver de modo digno, mas também o direito de morrer com dignidade, sem sofrimento ou sem um prolongamento artificial do processo de morrer (distanásia). Isso, porém, não nos dá o direito de abreviar a vida (eutanásia). Ou dá? 
Temos o direito não apenas de viver de modo digno, mas também o direito de morrer com dignidade. Entre o não abreviar e o não prolongar está o cuidar com arte e humanidade, ou seja, garantir a morte em paz e sem sofrimento (ortotanásia), proporcionada pela prática dos cuidados paliativos. 
 Quer isto dizer, portanto, que a eutanásia pode ser defendida ou rejeitada a partir das suas consequências. No primeiro caso, defende-se a eutanásia porque ela tem a consequência de minimizar o sofrimento; no segundo, rejeita-se a eutanásia porque ela tem a consequência de diminuir a confiança nos profissionais de saúde. 
A despenalização e regulamentação da morte medicamente assistida em Portugal, tem de considerar que as pessoas em pleno uso das suas faculdades mentais, mas perante um sofrimento profundo ou uma doença incurável, devem ter liberdade de escolha, ou seja, liberdade para decidir morrer. O tema da eutanásia e do suicídio medicamente assistido tem de ser enquadrado no plano da consciência individual precisamente por ser uma decisão profundamente íntima e pessoal na qual o Estado não tem direito a intervir. 
Para Laura Ferreira dos Santos, autora de vários livros sobre esta matéria, e fundadora do movimento "Direito a morrer com dignidade" defende ainda que, sendo esta uma questão que se coloca no plano pessoal, não pode nem deve ser decidida por Referendo uma vez que não é à maioria que cabe decidir algo tão intimo e profundo como decidir morrer. 
Esta autora e bem, considera que, tal como o direito à vida, o direito à morte é um direito fundamental. 
No próximo dia 20 de fevereiro vão ser debatidos e votados (espera-se) no nosso Parlamento, cinco projetos de lei para despenalizar a eutanásia. As diferenças entre eles são poucos, tendo em comum, porém, o deixar de fora menores e pessoas incapazes. 
Espera-se que Portugal, á semelhança do que aconteceu em Espanha, na semana passada, reponha o quadro de direitos a todos aqueles que pretendem morrer com dignidade, sem sofrimento ou sem um prolongamento artificial da vida. 
Também este é um direito inalienável 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Delação Premiada – “… a legalização (parcial) da corrupção.”


Não posso estar mais de acordo. A chamada “delação premiada”, não é mais de que um ato de corrupção, praticado pelo Estado, através do Ministério Público (MP). Como sugere, e bem, o Juiz Jubilado Noronha do Nascimento ([1]), “… na delação premiada o investigador promete ao arguido que, se este contar a versão que de outro modo não contaria, o liberta de qualquer punição ou lhe reduz a pena. Em condições normais, isto é corrupção: o investigador tira vantagem em obter uma prova que de outro modo não obteria, e o delator tira vantagem ao ser absolvido (ou sofrendo uma pena menor) por um crime que cometeu. Daí que a delação premiada seja, verdadeiramente, uma corrupção legalizada – e legalizada pelo tribunal.
Mas o problema maior surge quando o delator conta uma versão falseada que interessa ao investigador ou que interessa a si mesmo para salvar a sua pele.”

Vem este tema a propósito do anúncio feito pela Ministra da Justiça, no passado dia 09/12/2019, que o Governo tinha criado um grupo de trabalho com o objetivo central de estudar novas ferramentas para reforçar a investigação, no combate a corrupção, reduzindo os trâmites judiciais e os megaprocessos, com a criação de juízos especiais para julgar corrupção e crimes conexos, a possibilidade de os arguidos fazerem acordos em julgamento e melhorar a lei sobre o direito premial são algumas das intenções do Governo para a área da justiça.

Este meritório impulso do Governo, na área da justiça, designadamente, instituindo uma estratégia nacional de combate à corrupção, com "uma forte dimensão preventiva”, mereceu no entanto uma atenção exagerada (pressão?), sobre a chamada “delação premiada”, muitos pretendendo a sua ‘brasileirização’ no sistema jurídico-penal português. É claro, que a Ministra da Justiça já se tinha pronunciado sobre esta matéria, se calhar antevendo a “veia” justicialista que se iria fazer ouvir. Disse a Ministra a propósito: “A delação premiada é uma realidade que existe em determinados países. Portugal não tem propriamente o mesmo histórico e tradições jurídicas. Nós temos instrumentos próprios e iremos trabalhar os nossos instrumentos”.

Acertadamente o fez. Na verdade, num país de tradição pidesca é certo e sabido que a mais leve abertura a esta ferramenta, com os contornos que existem no Brasil ou mesmo a figura próxima nos Estados Unidos (“plea bargain”), enchem de “coragem“ os “bufos”, que por herança ou vocação própria povoam o nosso dia-a-dia.

Aliás, na maior parte da Europa (com algumas exceções, como a Itália e a Inglaterra) não existem muitas políticas que incentivam a delação premiada. Isso porque os países europeus buscam outros meios formais para descobrir fraudes, sem precisarem utilizar a delação. Portugal, nesta matéria, tem seguido o exemplo da maioria.

É claro que para alguns sectores do Ministério Público Português (MP), mais dados à “judicialização da política”, a ideia da delação premiada os seduz (sobretudo em processos mediáticos), por estarem convencidos que, no momento da acusação, a delação premiada terá permitido reunir indícios suficientes que permitam sustentar que a condenação em julgamento é mais provável do que a absolvição, dando-lhes por isso, uma aparente, sensação de vitória.

O problema é que as grandes delações que criam a ilusão de uma grande condenação são as mesmas delações que podem dar lugar a grandes absolvições, quer por assentarem em verdadeiros negócios com delatores que praticaram crimes e cuja credibilidade está necessariamente abalada, quer por força de invalidades na forma como a prova foi obtida.

O exemplo brasileiro é tão negativamente vivo e presente que, só por si, serviria de repulsa à utilização desta ferramenta, no sistema jurídico-penal português.

Nós não temos inscrito no nosso sistema jurídico-penal esta figura da delação premiada. Porém, embora, o Código Penal Português, na sua Parte Geral, cuide da atenuação geral e especial da medida da pena, dando nomeadamente relevância legal ao arrependimento, não se pode afirmar que estamos no âmbito de um verdadeiro direito premial. A verdadeira premiação surge sim, no entanto, na Parte Especial do Código Penal, nos artigos (i) 368º-A (que pune o crime de branqueamento, prevê uma atenuação especial da pena, no nº7 e n.º 9, do mesmo artigo), (ii) o artigo 374º-B (que trata da dispensa e atenuação da pena no âmbito do crime de corrupção e recebimento indevido de vantagens); (iii) na Lei 52/20003, de 22 de Agosto (Lei de combate ao terrorismo, que prevê no seu artigo 2º nº5, artigo 3º nº2 e artigo 4º nº3 uma atenuação especial da pena quando o agente abandonar voluntariamente a sua atividade ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis); e (iv) no Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro (prevê uma especial atenuação da pena ao agente que abandonar voluntariamente a sua atividade, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros).

Que as mudanças que vierem a ser propostas no direito premial para combater a corrupção não alterem o atual modelo penal, é uma garantia que deve ser reconfirmada.





[1] LUÍS NORONHA NASCIMENTO, Juiz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Blogue “Aspirina B”, de 12-05-2018

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O atual estado do pluralismo político em Portugal



Com a revolução de Abril de 1974 e a instauração da democracia, pluripartidária, habituámo-nos, desde o inico, a viver e conviver com quatro grandes partidos do “sistema “, a saber, o PS, o PSD, o PCP e o CDS. Alguns destes partidos (PCP e PS), até são anteriores à revolução e, em certa medida, lutaram, cada um à sua maneira, para derrubar a ditadura. Antes que “caia o Carmo e a Trindade”, deve-se consignar que quer a UDP quer o PRD, quer o PSN, chegaram a ter representação parlamentar em 1980, 1985 e 1991, respetivamente. Porém, foram partidos episódicos, hoje extintos quer por fusão em outros partidos quer por extinção pura.

Assim se manteve a democracia de Abril, até 1999, data em que são eleitos dois deputados da nova formação politica, nascida da concentração de pequenos partidos à esquerda do PCP e do PS. O Bloco de Esquerda (BE). O BE, até à presente data, embora de percursos errante até 2009, onde passou a ter uma representação expressiva (16 deputados), sofrendo um “abalo” nas eleições de 2011, onde recuou para os oito deputados, não mais parou de crescer até à data, estabilizando nas últimas eleições nos 19 deputados que, de resto, já vinham das eleições de 2015.

Constata-se, pois, que de Abril de 1974 a 1999, a nossa democracia pluripartidária foi assente em quatro grandes partidos e que o aparecimento de um novo partido, em 1999, deu-se à esquerda do espetro político-partidário, ou seja, para lá do PS e do PCP. É sabido, contudo, que o Bloco de Esquerda, para além de ser formado por pequenos partidos da extrema-esquerda portuguesa (UDP, PSR, Politica XXI e outros movimentos), contou também com a adesão de alguns descontentes do PCP e do PS.

Com as eleições legislativas de 2019, uma nova brecha se dá à esquerda, agora com a conquista de representação parlamentar do LIVRE, partido fundado em 2014, por alguns dissidentes do BE. O LIVRE como lembra e bem Sá Fernandes, “É o primeiro partido da esquerda portuguesa que não vem do marxismo ou do leninismo. É um partido de gente jovem, maioritariamente nascida depois do 25 de Abril, que não deve fidelidades aos “ismos” que sempre dividiram a esquerda portuguesa. É europeísta e cosmopolita, luta pelos direitos colectivos, mas também é um defensor acérrimo dos direitos individuais.”

No momento em que escrevemos, o LIVRE está envolto em polémica, por causa da gaguez da sua única deputada eleita Joacine Katar Moreira. Esta polémica é inútil e baseia-se na falta de argumentos políticos dos seus opositores, já que, com diz a própria deputada, «a sua gaguez é apenas quando fala, não quando pensa, ao contrário dos indivíduos que estão na Assembleia da República».

Mas muito mais significativa, foi a fratura que se deu na direita tradicional portuguesa com o “nascimento” de novos partidos saídos do seu seio, também aqui, posicionando-se à direita do espetro político partidário, ou seja, para lá do PSD e do CDS. Esta é, talvez, a maior novidade nascida das eleições legislativas de outubro de 2019. O assento parlamentar de dois novos partidos na Assembleia da República, de feição claramente de direita se não mesmo, de extrema-direita.

Portugal foi, até então, um dos poucos países da Europa que resistiu aos ventos dos populismos e dos nacionalismos, que grassam pelo mundo, de inspiração protofascista e de acentuado pendor racista, xenófobo e de forte discriminação étnico-racial, que com a chegada ao poder de Trump, Orban, Salvini, Bolsonaro e tantos outros, se vem disseminando um pouco por todo o lado, com preocupações acrescidas para nós europeus.

Hoje, os representantes desta corrente mundial já tem assento na Assembleia da República Portuguesa. Essa terá sido a recompensa do trabalho levado a cabo por grandes centrais dos populismos e nacionalismos, liderados por ideólogos da “supremacia branca”, com particular destaque, para "Steve" Bannon ex-assistente do presidente e ex-estratega-chefe da Casa Branca no governo Trump.

Em meados de 2018, Bannon criou “The Movement” (O Movimento), uma organização que visou justamente promover grupos políticos nacionalistas e populistas de direita na Europa, contando, no princípio, com o apoio de políticos italianos (Matteo Salvini), belgas, húngaros (Viktor Orbán) e britânicos (UKIP), além da perspetiva de adesão de neerlandeses (Partido pela Liberdade e Fórum para a Democracia). Bannon é apoiado financeiramente, entre outros, pela milionária família Mercer (gestora de fundos de investimento), através da qual construíram a base mediática na defesa do movimento populista e anti-establishment.

É através “The Movement”, que as novas formações políticas, nacionalistas e populistas, se financiaram, para chegar ao poder e espalhar a sua “mensagem”. Assim aconteceu, também em Portugal.

Dificilmente ficaríamos imunes a esta “estirpe contagiosa” que grassa pelo mundo e que no nosso caso só não se desenvolveu mais cedo, por estar camuflada nos dois partidos da direita tradicional portuguesa que serviu de “esconderijo” a estas criaturas.

Rompidas as malhas, ai estão eles no seu esplendor …