Não posso estar mais de acordo. A
chamada “delação premiada”, não é mais de que um ato de corrupção, praticado
pelo Estado, através do Ministério Público (MP). Como sugere, e bem, o Juiz
Jubilado Noronha do Nascimento ([1]), “… na delação premiada o investigador promete
ao arguido que, se este contar a versão que de outro modo não contaria, o
liberta de qualquer punição ou lhe reduz a pena. Em condições normais, isto é
corrupção: o investigador tira vantagem em obter uma prova que de outro modo
não obteria, e o delator tira vantagem ao ser absolvido (ou sofrendo uma pena
menor) por um crime que cometeu. Daí que a delação premiada seja,
verdadeiramente, uma corrupção legalizada – e legalizada pelo tribunal.
Mas o problema maior surge quando o delator conta uma versão falseada
que interessa ao investigador ou que interessa a si mesmo para salvar a sua
pele.”
Vem este tema a propósito do
anúncio feito pela Ministra da Justiça, no passado dia 09/12/2019, que o
Governo tinha criado um grupo de trabalho com o objetivo central de estudar
novas ferramentas para reforçar a investigação, no combate a corrupção, reduzindo
os trâmites judiciais e os megaprocessos, com a criação de juízos especiais
para julgar corrupção e crimes conexos, a possibilidade de os arguidos fazerem
acordos em julgamento e melhorar a lei sobre o direito premial são algumas das
intenções do Governo para a área da justiça.
Este meritório impulso do Governo,
na área da justiça, designadamente, instituindo uma estratégia nacional de
combate à corrupção, com "uma forte dimensão preventiva”, mereceu no
entanto uma atenção exagerada (pressão?), sobre a chamada “delação premiada”,
muitos pretendendo a sua ‘brasileirização’ no sistema jurídico-penal português.
É claro, que a Ministra da Justiça já se tinha pronunciado sobre esta matéria,
se calhar antevendo a “veia” justicialista que se iria fazer ouvir. Disse a
Ministra a propósito: “A delação premiada
é uma realidade que existe em determinados países. Portugal não tem
propriamente o mesmo histórico e tradições jurídicas. Nós temos instrumentos
próprios e iremos trabalhar os nossos instrumentos”.
Acertadamente o fez. Na verdade,
num país de tradição pidesca é certo e sabido que a mais leve abertura a esta
ferramenta, com os contornos que existem no Brasil ou mesmo a figura próxima
nos Estados Unidos (“plea bargain”), enchem de “coragem“ os “bufos”, que por
herança ou vocação própria povoam o nosso dia-a-dia.
Aliás, na maior parte da Europa
(com algumas exceções, como a Itália e a Inglaterra) não existem muitas
políticas que incentivam a delação premiada. Isso porque os países europeus
buscam outros meios formais para descobrir fraudes, sem precisarem utilizar a
delação. Portugal, nesta matéria, tem seguido o exemplo da maioria.
É claro que para alguns sectores
do Ministério Público Português (MP), mais dados à “judicialização da política”,
a ideia da delação premiada os seduz (sobretudo em processos mediáticos), por
estarem convencidos que, no momento da acusação, a delação premiada terá
permitido reunir indícios suficientes que permitam sustentar que a condenação
em julgamento é mais provável do que a absolvição, dando-lhes por isso, uma
aparente, sensação de vitória.
O problema é que as grandes delações que criam a ilusão de uma grande
condenação são as mesmas delações que podem dar lugar a grandes absolvições,
quer por assentarem em verdadeiros negócios com delatores que praticaram crimes
e cuja credibilidade está necessariamente abalada, quer por força de
invalidades na forma como a prova foi obtida.
O exemplo brasileiro é tão
negativamente vivo e presente que, só por si, serviria de repulsa à utilização
desta ferramenta, no sistema jurídico-penal português.
Nós não temos inscrito no nosso
sistema jurídico-penal esta figura da delação premiada. Porém, embora, o Código
Penal Português, na sua Parte Geral, cuide da atenuação geral e especial da
medida da pena, dando nomeadamente relevância legal ao arrependimento, não se pode
afirmar que estamos no âmbito de um verdadeiro direito premial. A verdadeira
premiação surge sim, no entanto, na Parte Especial do Código Penal, nos artigos
(i) 368º-A (que pune o crime de branqueamento, prevê uma atenuação especial da
pena, no nº7 e n.º 9, do mesmo artigo), (ii) o artigo 374º-B (que trata da
dispensa e atenuação da pena no âmbito do crime de corrupção e recebimento
indevido de vantagens); (iii) na Lei 52/20003, de 22 de Agosto (Lei de combate
ao terrorismo, que prevê no seu artigo 2º nº5, artigo 3º nº2 e artigo 4º nº3
uma atenuação especial da pena quando o agente abandonar voluntariamente a sua
atividade ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a
identificação ou a captura de outros responsáveis); e (iv) no Decreto-Lei
nº15/93, de 22 de Janeiro (prevê uma especial atenuação da pena ao agente que
abandonar voluntariamente a sua atividade, ou auxiliar concretamente as autoridades
na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros).
Que as mudanças que vierem a ser
propostas no direito premial para combater a corrupção não alterem o atual
modelo penal, é uma garantia que deve ser reconfirmada.
[1] LUÍS NORONHA NASCIMENTO,
Juiz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Blogue “Aspirina B”, de
12-05-2018
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