sábado, 2 de janeiro de 2021

“𝑨 𝑴𝒆𝒓𝒊𝒕𝒐𝒄𝒓𝒂𝒄𝒊𝒂” - 𝑨 𝒂𝒏𝒆𝒅𝒐𝒕𝒂 𝒒𝒖𝒆 𝒗𝒊𝒓𝒐𝒖 𝒅𝒐𝒈𝒎𝒂

O subdiretor do jornal o “Expresso”, João Vieira Pereira (JVP), mais uma vez nos brindou com um texto neoliberal de vincado teor paternalista, desta vez a propósito de um alegado texto publicado no jornal “Publico, por uma historiadora e um músico que, ao que diz, JVP, defendem o estabelecimento de um “salário máximo”, que no entender daqueles “permitirá diminuir as desigualdades e construir uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais democrática”.

JVP, para além de mimosear os autores com alguns impropérios dignos de um jornalista “subdiretor”, remata com uma tirada meritocrata, que faz inveja: “O direito de ser remunerado de acordo com o mérito é substituído por um dever insano de sermos todos pobres. A inveja de quem não suporta ver o sucesso dos outros condena-nos à mediocridade.”

Isto tudo a propósito dos (inqualificáveis, diga-se) aumentos dos vencimentos dos administradores da TAP.

É claro que o que JVP escreve é um embuste. Ainda hoje, pelos vistos, ele não percebeu a piada, criada por Michael Young.

Como se sabe, o termo "meritocracia" foi criado por Michael Young, quando escreveu o romance satírico em 1958, "The Rise of Meritocracy". No livro, Young descrevia um tipo de autoilusão em que as pessoas ricas se convenciam que a sua riqueza era evidência da sua superioridade moral. A piada é que a sátira virou dogma. Hoje vivemos da meritocracia.

Onde nos convenceram que aquilo que alcançamos depende apenas da nosso trabalho árduo e perseverança. Se não consegues, a culpa é tua. Não te esforçaste o suficiente.

Para o historiador da Unicamp e de Harvard, Sidney Chalhoub, agora a propósito do Brasil, disse: “A meritocracia como valor universal, fora das condições sociais e históricas que marcam a sociedade brasileira, é um mito que serve à reprodução eterna das desigualdades sociais e raciais que caracterizam a nossa sociedade. Portanto, a meritocracia é um mito que precisa ser combatido tanto na teoria quanto na prática. Não existe nada que justifique essa meritocracia darwinista, que é a lei da sobrevivência do mais forte e que promove constantemente a exclusão de setores da sociedade brasileira. Isso não pode continua.”

É claro que isto não se aplica só à sociedade brasileira, mas a todas as sociedades ocidentais, em geral.

A ideia da meritocracia começou por ser uma ideia antiaristocrática já que, cada um de nós, independentemente das nossas origens, poderia ser rico, famoso e bem-sucedido dependendo apenas do nosso mérito. No entanto, esta atitude/ideologia transformou-se num modelo de perpetuação de uma nova aristocracia, já que um dos maiores fatores para ser bem-sucedido na vida é ser filho de pessoas bem-sucedidas.

E ser filho de pessoas bem-sucedidas influência o nosso futuro sucesso de duas formas. Os genes que herdamos e o ambiente familiar e socioeconómico em que somos criados.  Dado que ninguém escolhe o seu próprio genoma, não se consegue perceber onde está o mérito disso. E como ninguém escolhe a família onde nasce - se rica se pobre, se bem relacionada em termos sociais (ou políticos) ou nem por isso, se numa família estruturada ou não - também não parece que seja possível atribuir o mérito a essas ocorrências.

Aliás, em Portugal, a questão da "meritocracia”, ainda é mais «sui generis». Antes do 25 de abril de 1974, eram cerca de 200 as famílias que se convenciam (com o beneplácito salazarista), que a sua riqueza era evidência da sua superioridade moral. Depois de abril de 74, os “aristocratas”, passaram a sair dos partidos políticos, que criaram as suas próprias “dinastias” com as respetivas cortes, que ainda hoje povoam as instituições públicas ou privadas portuguesas. É aquilo a que podíamos chamar, a geração sem esforço. Esta geração sem esforço é filha de pessoas bem-sucedidas, não se questionando a origem do sucesso, que só mais tarde, já em Tribunal, se vem a saber de onde veio.

É esteO direito de ser remunerado de acordo com o mérito...”, que defende JVP. É destes que JVP diz que temos inveja. Como diria Mário Soares, Olhe Que Não, Olhe Que Não!

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