segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Costa e os “impedimentos dirimentes” de governo


Dizem-nos os Professores Pires de Lima e A. Varela, nas suas “Noções Fundamentais D. Civil”, 4.ªed., 2.º-162, que são impedimentos dirimentes do casamento, “os que tornam nulo ou anulável se, não obstante a sua existência, este vier a ser celebrado” e são impedimentos impedientes do casamento “os que obstam simplesmente à celebração do casamento, mas não determinam a sua anulação, caso o ato venha a ser celebrado com a existência de algum deles.”
Ora, transportando esta matéria dos impedimentos para o que está a acontecer na difícil indigitação de Costa por Cavaco Silva para formar governo, detetamos lamentavelmente o seguinte situação confrangedora.
Para Cavaco Silva, Costa padece de impedimentos dirimentes absolutos para formar governo, por anomalia política do PS resultante dos acordos celebrados com o PCP/PEV e BE. Porém, decretar tais impedimentos, implicaria a afronta constitucional do regime democrático, assente nos partidos.
Uma “guerra” destas significaria a criação de um clima de confronto com efeitos colaterais muito significativos nas hostes da maioria de direita e nos seus projetos de poder futuros.
Dizia Cavaco, bastante sobranceiro, diga-se, no dia das eleições de 04 de outubro último que "Temos estudado todos, todos os cenários, todos os cenários foram estudados na Presidência da República ao longo deste tempo, agora só nos falta saber qual o cenário que vai ser determinado pelos portugueses depois da sete da tarde".
Hoje sabe-se que a alternativa de governo apresentado por António Costa, não fazia parte dos planos (cenários) estudados pelo presidente Cavaco. É mesmo de acreditar que Cavaco nunca quis, ainda que por hipótese meramente académica, sequer estudar tal cenário. Isto parece inequívoco, na atrapalhação destes quase 60 dias de vazio de poder.
A situação é tão apalermada que por um lado dá posse a um governo minoritário que já sabia não reunir o consenso maioritário na Assembleia da República, ainda assim, fazendo questão que fosse o parlamento a determinar a sua queda e, por outro lado, impõe condições escritas a uma solução maioritária do PS desta vez entendendo que neste campo não é a Assembleia mas ele que tem de assegurar as condições prévias de governabilidade.
Trata-se, naturalmente, de uma grosseria constitucional que põe em causa “o regular funcionamento das instituições democráticas.”. Coisa, aliás, em que este presidente é fértil.
É irónico verificar que muitos comentadores cavaquistas e da orla do governo rejeitado e da maioria que o suportava, passavam a “vida” a dizer que Cavaco era um legalista e um cumpridor fiel da Constituição. Nada de mais errado, com se vê.
Para Cavaco entre o Pacto de Estabilidade e a Constituição da República Portuguesa, aquele sobrepõe-se sem pestanejar a esta. Entre os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados e os interesses dos credores internacionais estes sobrepõem-se sem pestanejar àqueles. Entre a difusão da pobreza e da miséria e o cumprimento do pagamento das remunerações dos empréstimos estes sobrepõem-se sem pestanejar àqueles.
Por todas estas e outras razões, Cavaco Silva foi o presidente da República que mais denegriu e empobreceu a democracia portuguesa.
Temos urgentemente que regenerar a democracia.
Comecemos com um novo governo e mais adiante com um novo Presidente da República.

Desta vez sem qualquer impedimento seja de que natureza for.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A PALHAÇADA

É deprimente verificar a palhaçada que é isto tudo, quando um dos órgãos de soberania se lembra de paralisar o regular funcionamento das instituições democráticas, após as eleições de 04 de Outubro, último.
Mais deprimente ainda é verificar que o papão dos credores internacionais e da europa e dos compromissos assumidos por Portugal no seu seio, são facilmente postas em “standby” por um ato de um presidente da República que já fez saber que até 5 (cinco) meses é um prazo bastante razoável para a indigitação de um novo governo, ainda que se isso possa representar a inexistência de um orçamento para o país o que parecia impensável na linguagem das ameaças da coligação PáF e do seu mentor Cavaco Silva, por altura da campanha eleitoral.
Hoje, é inequívoco que Portugal e os portugueses só têm que “esperar sentados”. Cavaco não tem pressa em dar posse a um novo governo e muito menos a um governo do PS com apoio parlamentar do PCP/PEV e Bloco de Esquerda.
Também a Europa, terá que “esperar sentada”. Não terá orçamento prévio para analisar e terá que se contentar com a rebeldia do presidente Cavaco. Se não gostam, paciência.
Pena é que os portugueses se tivessem deixado enganar por esta ladainha dos credores internacionais e dos compromissos europeus como ameaça ao seu livre exercício do voto. A chantagem do presidente, durante tempos a fios, designadamente, no último aniversário do 25 de Abril que vociferava que "Ao fim de quatro décadas de democracia, os agentes políticos devem compreender, de uma vez por todas, que a necessidade de compromissos interpartidários é intrínseca ao nosso sistema político e que os portugueses não se reveem em formas de intervenção que fomentam o conflito e a crispação e que colocam os interesses partidários de ocasião acima do superior interesse nacional", veio-se hoje a provar ser um embuste dada a dificuldade epidérmica manifesta em dar posse a um governo do PS com apoio parlamentar à esquerda.  
Embora o nosso regime de governo seja semiparlamentar a verdade é que em situações como as atuais, quase que se transforma num presidencialismo absoluto com equivalência apenas na América Latina.
Como nos estamos a aproximar do natal, época tradicional para ir ao circo com as crianças ou mais velhos, devemos respeitar as tradições e não embarcar nestas palhaçadas do presidente da República, feitas fora do espaço circense.
Poderemos não ter governo até lá (e o mais certo é não ter), mas circo há de certeza absoluta e com palhaços a sério!...


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Governo de "Sugestão"

Um governo de gestão é "claramente inconstitucional" e uma "fraude à Constituição". Quem o diz é o constitucionalista Jorge Reis Novais em declarações ao “Económico” no passado dia 26 de Outubro.
E porque é que esta questão se está a pôr numa altura em que o PS trabalha uma solução de maioria absoluta parlamentar e de governo para contrapor à maioria relativa parlamentar e de governo emergente da coligação de direita PáF?
Pela razão simples que o presidente da República tem dito e escrito que não dá posse a um governo do PS assente nos partidos de esquerda BE e PCP.
Embora inicialmente Passos Coelho viesse dizer que não contassem com ele para um governo de gestão, a verdade é que hoje (04-10-2015), os jornais faziam eco da nova disposição de Passos, o qual terá afirmado que continuará em gestão “até ser substituído”. Como alguém dizia é o “irrevogável 2”.
Curiosamente um putativo candidato a um cargo de governo (tipo Lomba), perguntava ontem no jornal “Público”, “Quem tem medo de um governo de gestão”?
Creio que esta situação persiste confusa, pela posição baça do PCP. Na verdade, às declarações estrondosas de Jerónimo de Sousa, após as eleições de 04 de outubro, “António Costa só não forma governo se não quiser", o PS "só não forma Governo se não quiser" e “no quadro constitucional, nada impede o PS de formar governo, apresentar o seu programa e entrar em funções”. Para tal, o Partido Socialista tem o apoio dos deputados comunistas, que “derrotarão qualquer iniciativa” vinda do PSD/CDS com fim à formação de um Executivo, têm-se seguido comportamentos negociais que indiciam o desconforto dos comunistas na assunção efetiva das responsabilidades criadas pela sua aparente abertura ao diálogo e compromisso, com vista à governação do país.
A entrevista dada por Jerónimo de Sousa à TVI em 24/10 foi deprimente. Comentado e glosado nas redes sociais sem parcimónia e até com alguma agressividade. Diz-se que Jerónimo não está à altura do mandato que recebeu. Afinal, toda a ortodoxia do PC e dos seus quadros mais antigos deixa-lhes pouca elasticidade para reconversões políticas na área da democracia representativa, embora declarem vontade de o fazer.
Seja como for esta é uma oportunidade histórica criada por António Costa e a sua vontade em romper com a lógica do “arco da governação” centrado no PS e no PSD tendo com muleta o CDS. Costa trouxe ao debate o espetro político ou partidário no seu conjunto e, decisivamente, a participação das esquerdas nas responsabilidades governativas do país.
Sabe-se que não era este o consenso alargado a que se referia Cavaco Silva. Mas também se sabe que Cavaco Silva, enquanto governante, sempre amputou da sua prática política uma parte muito significativa de portugueses. Por isso, não há surpresas.
Aliás, Cavaco é passado!...