domingo, 12 de fevereiro de 2023

A ESCOLHA DA “ESPÉCIE”

Luís Montenegro, o atual presidente do PSD, defendeu, na passada semana, na Guarda, a existência de um programa que permitisse "sabermos quem é que precisamos em Portugal, quem é que nós queremos em Portugal e para podermos acolher e integrar esses colaboradores do nosso desenvolvimento".

Esta tese não é nova. Veio de Trump, Salvini, Orban, Le Pen, Suella Braverman ou Boris Johnson, na Grã-Bretanha e tantos outros atores recentes, pois que, quanto ao passado, a história está aí para os documentar.

É assombroso o inconsciente de Luís Montenegro, que lhe atropela a postura presidencial de social-democrata e expõe os seus instintos neoliberais de cariz xenófobo e até racista. Não sabemos, porque ele ainda não o disse, qual é o programa que tem em mente, para proibir a entrada de migrantes ou refugiados em Portugal ou deportar os que já cá estão. Do muro estamos livres, resta devolvê-los ao mar ou, e aqui pode estar o segredo de Luís Montenegro, substituir-se à Grã-Bretanha no acordo para a deportação de migrantes e refugiados para o Ruanda, a troco de uns patacos.

Este pensamento estruturado de Luís Montenegro de “…sabermos quem é que precisamos em Portugal, quem é que nós queremos em Portugal…”, é tudo o que há de mais ignóbil no tratamento da política de migrantes ou refugiados. A base do direito de asilo é as pessoas que estão no território de um país - especialmente um país que é signatário da convenção - terem as instituições e não exportar essa responsabilidade para outro país, que contraria qualquer noção de responsabilidade.

Muitos dos imigrantes/ refugiados, são pessoas desesperadas que fogem de horrores indescritíveis, que buscam um porto seguro onde mais tarde possam reunir a sua família. O seu pedido de asilo, o reconhecimento das suas necessidades médicas ou outras, ou qualquer tentativa de entender a sua situação devem ser tidas em consideração, pelas autoridades do país de acolhimento. Estes seres humanos, não são “lixo tóxico”, que se deva transacionar no comércio internacional.

Se é certo que não podemos oferecer asilo a todos, não devemos externalizar as nossas responsabilidades éticas ou descartar o direito internacional – que protege o direito de solicitar asilo. Portugal, nesta matéria, tem um passado que não pode renegar e os agentes políticos devem tê-lo sempre presente quando abordam este tema. A ignorância política de Luis Montenegro em matéria de imigração portuguesa (felizmente, não pelas mesmas razões) das atuais, deveria enchê-lo de vergonha sempre que ousasse fazer um programa de escolha de quem quer em Portugal em matéria de imigração.

Como lembra o historiador e escritor Daniel Bastos, em a memória histórica dos “bidonvilles” portugueses em França, “… o fluxo migratório em massa com destino à França, ficou desde logo assinalado pela vida difícil dos portugueses nos “bidonvilles” dos arredores de Paris. Enormes bairros de lata, com condições de habitabilidade deploráveis, sem eletricidade, sem saneamento nem água potável, construídos junto das obras de construção civil, como os de Saint-Denis ou Champigny, que na década de 60 albergou mais de uma dezena de milhares de portugueses, tornando-se um dos principais centros de distribuição de trabalhadores de nacionalidade lusa em França.”

E conclui: “O vislumbre dos tempos em que muitos portugueses viveram nas “bidonvilles”, constituiu na atualidade um dever de memória e de homenagem aqueles que com sacrifício alcançaram o direito a uma vida melhor, e um alerta à consciência das novas gerações lusas que não se podem afastar do espírito de solidariedade entre os povos e nações, porquanto essa é uma marca indelével da mundividência dos seus antepassados.

Estes não fugiram da guerra, do genocídio ou da escravatura. Os portugueses que na década de 60 deram o salto para França, fugiam da fome e da falta de condições de sobrevivência, sacrificando-se a viver pior para um dia alcançarem o direito a uma vida melhor.

Um dia em que em Portugal for negado o direito de asilo a um migrante ou refugiado, dá-se início à destruição, do Estado de Direito Democrático, porque tantos lutaram em 25 de Abril de 1974.

 

 

 

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