quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O ANÚNCIO

A Secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, assumiu em entrevista ao DN, no passado dia 22 de agosto, que era homossexual. Fê-lo, ao que diz, por considerar ser "importante" fazê-lo como "afirmação política". Neste sentido, fez bem. As pessoas que estão em lugares de poder podem contribuir, pela positiva, na desmistificação deste assunto, quando se percebe que esta não é uma questão de privacidade mas sim e sobretudo uma questão de identidade. Como refere a autora “a partir do momento em que se percebe que há questões de identidade que ainda hoje são fundamento de ações violentas e discriminação, quando se pensa sobre o que fazer - vou abrir ligeiramente a porta porque pode ter um impacto positivo ou não vou abrir porque não é comigo - há um equilíbrio difícil.”
Outros, igualmente em lugares de poder, já o tinham feito.
A sexualidade deve ser concebida como direito que decorre da própria condição humana, que tem como suporte a liberdade do indivíduo de se expressar e se relacionar sexualmente da maneira que quiser. O direito à igualdade não pode ser condicionado à orientação sexual do individuo.
“Quem pede direito ao reconhecimento pede que a distribuição da identidade social não seja hierarquizante em função do traço de identidade específico. Pede que todas as identidades sejam tratadas jurídica e politicamente como equivalentes. Trata-se de afirmar o direito a ser diferente, e a que essa diferença se torne irrelevante. É uma combinação de universalismo moderno e iluminista, com pluralismo: reivindicação simultânea de universalismo e percepção social de queer theory. A dissolução das identidades sexuais, a afirmação de toda sexualidade, é feita em nome do universal. Rouanet (2001, p. 89) lembra que o universalismo é crítico justamente porque impede que as formas paroquiais de pensamento e julgamento pretendam uma universalidade que não podem ter. Assim, diz ele, quem defende o universalismo " condena o sexismo, não por se identificar com o estatuto feminino particularista, mas por negar a validade de todos os estatutos particulares e por considerar que esses estatutos são quase sempre criações imaginárias, destinadas a privar os indivíduos empíricos das suas prerrogativas como titulares de direitos universais" (José Reinaldo de Lima Lopes, Sur, Rev. int. direitos humanos, vol.2 no.2 São Paulo 2005)
Numa altura em que assistimos às mais violentas violações dos direitos humanos, seja através do racismo mais abjeto à xenofobia mais dilacerante, à castração dos direitos das minorias à repugnante política dos muros e ao escandaloso comércio dos refugiados, é muito importante que as questões de identidade que convivem paredes meias com as questões mais vastas da dignidade humana sejam permanentemente escrutinadas, para benefício de uma sociedade mais plural, tolerante e esclarecida. Isto porque o ser humano deve ser visto como um fim em si mesmo e não como meio para a proteção dos interesses de outrem.

Por essa razão, a dignidade da pessoa pode ser bem expressa pela fórmula kantiana: o valor de cada ser humano, que não pode ser trocado por nada, não pode ser comprado por nada e não pode ser instrumento de nada. Nenhum ser humano pode ser usado por outro ou pela colectividade e não pode ser usado nem mesmo como um exemplo, como um bode expiatório.

Nenhum comentário:

Postar um comentário