quarta-feira, 30 de agosto de 2017

“Os cabos de esquadra da correção política”

Rui Ramos, historiador, escreve hoje no jornal online “Observador”, um artigo intitulado “Que fazer perante o politicamente correcto?”, que não e mais do que um texto vincadamente ideológico e de subliminar reprovação da democracia enquanto sistema que permite discutir as diferenças, sejam elas quais forem.
Houve um tempo, anterior a Abril, em que o “politicamente correto” não estava ao alcance de qualquer cidadão. Mesmo que o quisesse. As pessoas deveriam ser preferencialmente apolíticas (neutras) ou quanto muito participar no “jogo viciado” do partido único/pensamento único ou União Nacional. Aqui não havia o “perigo” de haver “compartimentos (…) racista[s], imperialista[s], elitista[s], homofóbico[s], misógino[s] ou fascista[s],…”, pela singela razão de que publicamente era proibido. Nesse tempo sim, havia os “cabos de esquadra da correção política”, devidamente enquadrados em estruturas hierarquizadas, que usavam instrumentos (que não a palavra), para a dita “correção política”, instrumentos esses que, como se sabe, levaram à tortura e a casos de morte, sobretudo, para os que não tinham “emenda”.
É claro que num período muito recente, do governo Portugal à Frente (PÀF), criou-se um pouco a ideia que os cidadãos portugueses deveriam evitar ter opiniões sobre as questões que lhe diziam respeito uma vez que isso poderia “perturbar” os credores internacionais, aqui liderados pela troica, que então “governava” o país, assessorados por Pedro e Paulo. Nesse período, muitos foram os aspirantes a “cabos de esquadra da correção politica”, que pretenderam impor a disciplina do “politicamente correto” (a linguagem neutra), com o beneplácito de Belém, deixando de fazer parte do léxico politico as questões ligadas às pessoas, sobrepondo-se as políticas da “pobreza regeneradora”, então muito na moda na altura.

Ainda hoje, os resquícios desse tempo se fazem sentir, e aí sim, “o politicamente correcto [era] uma batota, um jogo viciado, que as suas vítimas [estavam] condenadas a perder”, com se veio a verificar.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O ANÚNCIO

A Secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, assumiu em entrevista ao DN, no passado dia 22 de agosto, que era homossexual. Fê-lo, ao que diz, por considerar ser "importante" fazê-lo como "afirmação política". Neste sentido, fez bem. As pessoas que estão em lugares de poder podem contribuir, pela positiva, na desmistificação deste assunto, quando se percebe que esta não é uma questão de privacidade mas sim e sobretudo uma questão de identidade. Como refere a autora “a partir do momento em que se percebe que há questões de identidade que ainda hoje são fundamento de ações violentas e discriminação, quando se pensa sobre o que fazer - vou abrir ligeiramente a porta porque pode ter um impacto positivo ou não vou abrir porque não é comigo - há um equilíbrio difícil.”
Outros, igualmente em lugares de poder, já o tinham feito.
A sexualidade deve ser concebida como direito que decorre da própria condição humana, que tem como suporte a liberdade do indivíduo de se expressar e se relacionar sexualmente da maneira que quiser. O direito à igualdade não pode ser condicionado à orientação sexual do individuo.
“Quem pede direito ao reconhecimento pede que a distribuição da identidade social não seja hierarquizante em função do traço de identidade específico. Pede que todas as identidades sejam tratadas jurídica e politicamente como equivalentes. Trata-se de afirmar o direito a ser diferente, e a que essa diferença se torne irrelevante. É uma combinação de universalismo moderno e iluminista, com pluralismo: reivindicação simultânea de universalismo e percepção social de queer theory. A dissolução das identidades sexuais, a afirmação de toda sexualidade, é feita em nome do universal. Rouanet (2001, p. 89) lembra que o universalismo é crítico justamente porque impede que as formas paroquiais de pensamento e julgamento pretendam uma universalidade que não podem ter. Assim, diz ele, quem defende o universalismo " condena o sexismo, não por se identificar com o estatuto feminino particularista, mas por negar a validade de todos os estatutos particulares e por considerar que esses estatutos são quase sempre criações imaginárias, destinadas a privar os indivíduos empíricos das suas prerrogativas como titulares de direitos universais" (José Reinaldo de Lima Lopes, Sur, Rev. int. direitos humanos, vol.2 no.2 São Paulo 2005)
Numa altura em que assistimos às mais violentas violações dos direitos humanos, seja através do racismo mais abjeto à xenofobia mais dilacerante, à castração dos direitos das minorias à repugnante política dos muros e ao escandaloso comércio dos refugiados, é muito importante que as questões de identidade que convivem paredes meias com as questões mais vastas da dignidade humana sejam permanentemente escrutinadas, para benefício de uma sociedade mais plural, tolerante e esclarecida. Isto porque o ser humano deve ser visto como um fim em si mesmo e não como meio para a proteção dos interesses de outrem.

Por essa razão, a dignidade da pessoa pode ser bem expressa pela fórmula kantiana: o valor de cada ser humano, que não pode ser trocado por nada, não pode ser comprado por nada e não pode ser instrumento de nada. Nenhum ser humano pode ser usado por outro ou pela colectividade e não pode ser usado nem mesmo como um exemplo, como um bode expiatório.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

“Angola não é o Alentejo” - Que comparação tão estranha


"Angola já não é nossa". ‘Angola era nossa até 1975, já não é. Angola é um país independente e parece que há muita gente em alguns partidos políticos de esquerda, designadamente no Bloco de Esquerda, em alguns dirigentes do Partido Socialista e também em alguma comunicação social, que julgam que Angola é o Alentejo.’ (sublinhado nosso)
Quem diz isto é o Embaixador Martins da Cruz, em entrevista ao “Negócios”, ontem 21/08/2017.
Mas o que terá levado esta «iminência parda» a fazer esta comparação tão estapafúrdia? Não gosta do Alentejo? Dos alentejanos? Das duas coisas? Sendo um cidadão de Lisboa, nascido e criado na capital, mantem a ideia de que «tudo o resto é paisagem»? Ou, pelo contrário, foi acometido pela nostalgia e sentimentalismo ditos alentejanos, que o fazem derrapar para o saudosismo envergonhado, contido na frase ‘Angola era nossa até 1975, já não é.” É claro, que também se pode tentar perceber esta comparação tão estapafúrdia como uma indireta ao que se terá passado nos tempos da «reforma agrária». Mesmo por este ângulo, esta «iminência parda» erra (de que maneira) o alvo. O PCP é o aliado natural do MPLA, partido do governo em Angola. Insisto, portanto, o que terá levado esta «iminência parda» a comparação tão estapafúrdia? É a chamada «diplomacia de cócoras». Isto é, esta «iminência parda» sacrifica nos argumentos, gentes e território português para a sua afirmação (posição!?) subserviente perante países estrangeiros, designadamente, Angola. Criticar o regime angolano, é ‘pecado’ para esta «iminência parda». Sobretudo se a crítica vem de certos setores da sociedade politica e social portuguesa. Pelo contrário, criticar (preocupar-se!) a Venezuela, onde «existe uma ditadura marxista controlada pelos cubanos» é que deveria ser uma prioridade para esta «iminência parda». Aqui já «têm o direito de dar palpites sobre tudo o que se passa».
É curiosa esta afirmação, quando hoje é unanimemente reconhecido que Angola, apesar de ser formalmente uma democracia, a realidade é que se trata de uma democracia “falsa”, com um partido quase único que dominou o Estado e um presidente no poder durante os últimos 37 anos. As características democráticas básicas da independência judicial, do Estado de Direito ou dos direitos das minorias não são respeitadas. Os direitos humanos são muitas vezes violados. E os resultados das eleições correspondem sempre ao esperado, e atribuem consecutivamente uma confortável maioria ao partido presidencial. Isto é o que dizem os próprios angolanos (vide, por exemplo, o sitio “MakaAngola”, na internet)
Enfim, sejam quais forem os ângulos ou prismas em que se analise a absurda comparação (“Angola não é o Alentejo”), chego sempre à mesma conclusão. O homem quis ofender os alentejanos e pôr em causa toda uma região. Talvez por isso, valha a pena lembrar a sua excelência que Portugal é um Estado unitário que abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Neste território se inclui naturalmente o Alentejo que é uma região do centro-sul de Portugal, que compreende integralmente os distritos de Portalegre, Évora e Beja, e a metade sul do distrito de Setúbal e parte do distrito de Santarém, sendo, por isso, a maior região de Portugal.
Será que aquela metade sul do distrito de Setúbal terá criado na «iminência parda» o síndrome da Comporta? Mau presságio…!