sábado, 31 de maio de 2025

 𝐕𝐞𝐧𝐜𝐞𝐫 𝐚 𝐃𝐞𝐦𝐨𝐜𝐫𝐚𝐜𝐢𝐚 𝐩𝐞𝐥𝐨 𝐂𝐚𝐧𝐬𝐚𝐜̧𝐨𝐎 𝐭𝐫𝐢𝐬𝐭𝐞 𝐞𝐱𝐞𝐦𝐩𝐥𝐨 𝐩𝐨𝐫𝐭𝐮𝐠𝐮ês

Com o maquiavelismo que se lhe conhece, Marcelo Rebelo de Sousa, no lugar que ocupa, conseguiu descaracterizar o regime democrático e levar ao cansaço, desânimo e resignação do povo português, após as sucessivas ‘paragens’ da democracia e as intermináveis eleições antecipadas, como fonte de descrédito, calculado e pensado, para os objetivos inconfessáveis de enfraquecimento do regime democrático e ressurgimento das vias autoritárias e populistas de onde emergiu. Objetivos conseguidos. 

O autoritarismo avança não por superioridade ideológica, mas pela ‘exaustão dos cidadãos’, perante conflitos incessantes, polarização e ineficiência governamental. Agressores políticos exploram a fadiga social para impor agendas, enquanto democratas buscam conciliação, muitas vezes cedendo por esgotamento. Este é um fenómeno global, observado em muitos países, incluindo europeus, onde as instituições democráticas foram "capturadas" gradualmente, transformando incredulidade inicial em resignação. Pandemias, recessões e instabilidade social, amplificam a vulnerabilidade ao discurso simplista, enquanto cidadãos sobrecarregados buscam soluções imediatas. 

PS e PSD, usando a ‘tática do espantalho’ alimentaram o 𝐶𝑒𝑔𝑎 para fragmentar rivais, replicando a estratégia de Mitterrand com a Frente Nacional em França. Resultado: Ventura saltou de 48 para 58 deputados (2025), normalizando discursos xenófobos e punitivistas. A cobertura sensacionalista de escândalos e a ‘banalização do extremo’ saturaram a opinião pública, gerando apatia ou adesão a "soluções simples".

 Deu-se a falência das lideranças tradicionais. A esquerda fragmentou-se. O PS sofreu a 2ª maior derrota da sua história (58 deputados), o Bloco de Esquerda foi reduzido a 1 deputado, e o PCP a 3 deputados. Os líderes resistiram à autocrítica, agravando a desconexão com os eleitores. Por outro lado, a direita apresenta-se sem projeto. A Aliança Democrática (AD) venceu com 32,1%, mas sem maioria, dependendo de negociações caóticas com o 𝐶𝑒𝑔𝑎. A ‘governação paralisada’ reforça a narrativa de "democracia inútil".

Acentua-se a crise existencial do Estado, pela mediocridade dos seus responsáveis políticos, a que acresce uma burocracia asfixiante, uma justiça lenta e serviços públicos em colapso (saúde, transportes), que geram frustração diária. Portugal ocupa a 45ª posição em eficiência laboral (IMD Competitiveness Ranking). As oscilações ideológicas em políticas essenciais (habitação, energia) criam insegurança jurídica.

 É neste quadro, que o cansaço serve de combustível para o autoritarismo, e é "válvula de escape", para o populismo. O 𝐶𝑒𝑔𝑎 canaliza o desespero de jovens sem perspetivas e dos idosos abandonados pelo Estado Social. Paradoxalmente, estabiliza o sistema ao institucionalizar o protesto, esvaziando alternativas reais. Há uma espécie de ‘fadiga cívica’. Cidadãos submetidos a crises em cadeia (Covid, inflação, aumento das taxas de juro) adotam o “para pior, já basta assim", preferindo a ordem ilusória ao caos democrático. Neste caldo, a linguagem militarizada, ganha espaço. Gouveia e Melo, candidato presidencial, apela à sua experiência como "líder em tempos difíceis", prometendo “eficácia acima do debate”. Seu slogan "Unir Portugal" ecoa soluções autoritárias de coesão forçada.

Há que, rapidamente, reconstruir a confiança, apostando em lideranças "sóbrias", como propõe Pierre Rosanvallon, em resposta ao autoritário "bêbado de poder", o que exige firmeza sem agressividade. Há que valorizar o diálogo institucional, escolhendo o Parlamento como espaço de mediação, não palco de guerras performativas. Há que pugnar pela defesa cultural da democracia, usando a memória como antídoto. Relembrar que em 1974, o “25 de Abril é liberdade" (contra a ditadura) o que contrasta com discursos ocos atuais. Sem essa consciência histórica, o populismo prospera. Fomentar o ‘ócio criativo’ (Stevenson) e a arte como resistência ao cansaço produtivista que esvazia a ação política.

Portugal sintetiza o risco mortal das democracias tardias. A convulsão entre o ‘cansaço das promessas não cumpridas’ e a sedução do atalho autoritário. O país não está só – Hungria, Brasil e EUA, entre outros, compartilham esta encruzilhada –, mas a sua queda seria trágica por ser previsível. Como alerta Sant'Anna, “𝑎 𝑑𝑒𝑚𝑜𝑐𝑟𝑎𝑐𝑖𝑎 𝑡𝑒𝑚 𝑓𝑟𝑎𝑔𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑖𝑛𝑡𝑟𝑖́𝑛𝑠𝑒𝑐𝑎: 𝑒𝑙𝑎 𝑒́ 𝑓𝑒𝑖𝑡𝑎 𝑑𝑒 𝑙𝑖𝑚𝑖𝑡𝑒𝑠”. Sua defesa exige mais que instituições: requer cidadãos incansáveis. 

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