Os deputados aprovaram no passado
dia 11/07/2019, em votação na especialidade na comissão parlamentar de Assuntos
Constitucionais, o fim do prazo imposto pela lei para casar segunda vez, após
um divórcio ou viuvez. Assim, a partir da entrada em vigor da nova lei, vai ser
possível casar logo após o divórcio. A proposta aprovada teve os votos favoráveis
do PS, do BE, do PAN, do PSD e do PCP. O
CDS votou contra.
O prazo internupcial atualmente
previsto no Código Civil (art.º 1605.º) impede o segundo casamento num prazo de
cento e oitenta dias após o divórcio ou viuvez, no caso dos homens, e de trezentos
dias no caso das mulheres (180 dias se apresentarem um atestado médico em como
não estão grávidas), uma disposição que consta da lei desde 1966.
Os prazos internupciais
consagrados no nosso ordenamento jurídico são um impedimento impediente, o que
significa que para que o segundo casamento se possa realizar tem de ser
respeitado um determinado período de tempo. Assim, qualquer um dos cônjuges que
viu o seu casamento dissolvido por morte ou divórcio, declarado nulo ou
anulável, tem de respeitar um prazo legal antes de ser autorizado a celebrar um
novo casamento. Contudo este é diferente entre homem e mulher, como se viu: ao
primeiro aplica-se um prazo de cento e oitenta dias, à segunda de trezentos –
arts. 1605º, nº 1 do Código Civil e 1604º, al. b), do mesmo Código
As razões que o sustentam são
essencialmente duas: em primeiro o “tempus
lugendi”, ou seja, um período de “luto” de cento e oitenta dias que a lei
impõe a ambos os cônjuges para fazer respeitar o que se pensem ser as convenções
sociais e em segundo a pretensão de evitar a “turbatio sanguinis”, ou seja, as dúvidas que poderiam suscitar-se
sobre a paternidade de um filho nascido depois do segundo casamento.
Ora, os deputados, tendo em conta
toda a evolução histórica, social e legislativa já vivida no nosso ordenamento,
por maioria qualificada puseram fim ao referido prazo internupcial, permitindo
umas segundas núpcias a qualquer um dos cônjuges que viu o seu casamento
dissolvido por morte ou divórcio, declarado nulo ou anulável.
Competindo ao Estado regular
todos os aspetos relacionados com a proteção da família, enquanto elemento
fundamental da sociedade contemporânea (art.º 67.º, n.º 2, da CRP), essencial
seria que se resolvessem as distorções constitucionais que o prazo
internupcial, inevitavelmente, ia criando.
Na verdade, o prazo internupcial sempre suscitou a dúvida se não colidiria com os princípios constitucionais, como sejam a igualdade dos
cidadãos, o direito a celebrar casamento e até mesmo o direito a constituir
família, princípios que aparentam estar de certo modo “abalados” pela essência
e pelo resultado deste prazo. O instituto da filiação, o modo de
estabelecimento da paternidade, o momento da conceção, o tempo de duração
máxima e mínima da gravidez, a impugnação da paternidade e até os meios de
prova admitidos na investigação da mesma, são todos eles, e a sua utilidade
prática, postos em causa com a existência do prazo internupcial.
Por sua vez, o artigo 26.°, N.º 1
da Lei Fundamental garante a todos os cidadãos o direito à proteção legal
contra quaisquer formas de discriminação. E o n.º 1 do artigo 36,°, é claro ao
afirmar que todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento
em condições de plena igualdade.
Nesse sentido, o prazo
internupcial, tal como está hoje estabelecido no Código Civil, parece não respeitar,
de todo, aqueles preceitos constitucionais, porquanto permite aplicação de um prazo
mais dilatado para as mulheres e com consequentes consequências quando desrespeitado.
Tudo em situações em que não são justificáveis e que parecem apenas se encontrar
explicação numa forma de discriminação em função do sexo. O que é igualmente
violador do princípio da igualdade, artigo 13.º da Constituição.
Por tudo isto, Portugal venceu
mais uma barreira na luta pela igualdade de direitos e de tratamento entre
mulheres e homens e, como alguns assinalam, Portugal chegou finalmente, também
neste capítulo, ao século XXI, já que estávamos 38 anos atrasados em relação a
Espanha e 14 relativamente a França.
Não fazia qualquer sentido manter um prazo internupcial que permitia
aos homens voltarem a casar-se imediatamente a seguir a um divórcio mas
obrigavam a mulher a esperar 300 dias para o fazer. Uma regra baseada numa
visão paternalista e patriarcal das mulheres, que lançava uma constante
suspeição sobre elas e que lhes limitava a liberdade e a autodeterminação, no
dizer de Sandra Cunha, deputada do BE e autora do projeto-lei.
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